segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Macaco também é gente



Plínio Bortolotti


Carlus

Um indivíduo toma um choque e cai desmaiado em cima do trilho de um trem. Um colega dele corre para prestar socorro, e tenta reanimar o ferido, que não dá sinais de vida. Então, ele faz outra tentativa, mergulhando a cabeça do acidentado em uma poça de água, chacoalhando seu corpo. A operação demora cerca de 20 minutos até que o ferido recobra a consciência, e o sujeito que o salvou – pondo em risco a própria vida -, fica a massagear-lhe as costas.

Um menino cai em um fosso e, indefeso, corre o perigo de ser atacado por um bando de sujeitos que está próximo. Um deles corre para acudir a criança, protege-a com seus braços, até entregá-la para receber os primeiros socorros.
No primeiro caso, os personagens são dois macacos-rhesus. O episódio aconteceu em uma estação de trens na Índia, repleta de humanos, que limitaram-se a filmar a cena.

O segundo, foi em um zoológico dos Estados Unidos, envolvendo um humano (a criança) e uma gorila fêmea, que tomou o menino no colo, e a deixou a salvo em cima de uma pedra, ao lado da porta usada pelos tratadores para alimentar um bando de gorilas.

Os dois casos voltaram-me à memória devido à decisão da Justiça Argentina, que concedeu habes corpus a Sandra, uma fêmea de orangotango, que vive no zoológico de Buenos Aires, para que seja libertada em um santuário para animais.

A Câmara de Cassação Penal (tribunal penal máximo da Argentina), por unanimidade, reconheceu a orangotango como “sujeito não humano”, privado ilegalmente de sua liberdade. A decisão poderá criar jurisprudência, pois até então, a Justiça argentina considerava animais objetos e não sujeitos. O processo foi iniciado por ativistas dos direitos dos animais e o zoológico poderá apelar à Corte Suprema de Justiça.

Para a Associação de Funcionários e Advogados dos Direitos dos Animais (Afada), a decisão abre caminho para que tanto os grandes símios quanto “outros seres sencientes”, que se encontram privados de liberdade em zoológicos, circos, parques aquáticos e laboratórios, possam ser libertados. (“Senciente” é o ser capaz de sofrer, sentir prazer ou felicidade).

Há tempos ativistas dos direitos dos animais e muitos cientistas deixaram de separar a espécie animal em “racionais” e “irracionais”, preferindo falar em “níveis de racionalidade”, na qual, por enquanto, nós humanos continuamos no topo (com as máquinas mordendo-nos os calcanhares).

Produzir ferramentas, dispor de linguagem, reconhecer a própria imagem, fazer alianças políticas com membros do grupo, planejar ações – são competências das quais também dispõem os grandes primatas. E, a exemplo dos humanos, eles podem usar para essas habilidades para praticar o altruísmo ou a guerra.

No livro Macacos (Publifolha), Drauzio Varella comenta as características dos quatro grandes primatas: orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos. Mostra como os nossos primos se organizam em sociedade, como disputam o poder, fazendo coalizões e se arranjam em acordos para conquistar aliados – e também como se preparam para a guerra. Em um dos trechos, ele relata como um grupo de chimpanzés (sete machos adultos, uma fêmea e um adolescente) se organizam para atacar o bando vizinho, e como eles conduzem a expedição punitiva em silêncio, até surpreender, com um violento ataque, com paus e pedras, o líder rival.

NOTAS

Créditos
Para ver: macaco-rhesus salva companheiro na Índia; gorila tira criança do fosso e a entrega a tratadores. Para ler: as informações sobre a decisão da Justiça da Argentina, reproduzidas neste artigo, são de notícia publicada no portal da Deutsche Welle.

Coalizões
Diferentemente dos gorilas e orangotangos, entre os chimpanzés o líder não é necessariamente o mais forte, porém, o que consegue estabelecer melhores alianças. Os bonobos formam uma sociedade matriarcal, com as coalizões femininas comandando os machos. Diferentemente dos chimpanzés, a convivência entre os bonobos é pacífica, obtida por meio de estratégias sexuais.

Bonobos e o sexo livre
Todas as práticas sexuais humanas já foram registradas entre os bonobos: macho-fêmea, fêmea-fêmea, macho-macho, fêmea adulta-macho juvenil, macho adulto-fêmea juvenil, macho adulto-macho juvenil e os juvenis entre eles. (As informações das duas últimas notas são do livro Macacos.)


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não tente argumentar com bolsominions, eles funcionam como os psicóticos

em 30 de março de 2020 por Vera Lúcia do Amaral Um dos sintomas mais caros da psicopatologia, quando se estuda as psicoses, é o d...