quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Cobras surgiram há 170 milhões de anos, segundo estudo

 



APARECIMENTO DAS COBRAS - Ao analisar fósseis de quatro cobras pré-históricas, cientistas descobriram que elas tinham entre 140 milhões e 167 milhões de anos. Isso comprova que o surgimento desses répteis aconteceu pelo menos 70 milhões de anos antes do que os registros anteriores indicavam. A "Eophis underwoodi", achada perto de Kirtlington, no sul da Inglaterra, é a cobra mais velha (167 milhões de anos) registrada pelo estudo. Concepção artística exibe as outras três cobras pré-históricas da pesquisa que viviam no Cretáceo Inferior: "Portugalophis lignites" (esquerda); "Diablophis gilmorei" (direita) e "Parviraptor estesi" (centro) Julius Csotonyi/Reuters

Ao analisar fósseis de quatro cobras pré-históricas, cientistas descobriram que elas tinham entre 140 milhões e 167 milhões de anos. Isso mostra que o surgimento desses répteis aconteceu pelo menos 70 milhões de anos antes do que os registros anteriores indicavam.

A pesquisa, publicada na terça-feira (27) na revista "Nature Communications", muda completamente a perspectiva dos estudos sobre a origem e a evolução das cobras, segundo os autores. Até agora, só existiam provas de que elas haviam aparecido na Terra há cerca de 100 milhões de anos.

Segundo o principal autor do estudo, Michael Caldwell, da Universidade de Alberta, no Canadá, o estudo indica que a evolução das cobras é mais complexa do que se pensava. Apesar da descoberta, ainda há uma lacuna no conhecimento a ser preenchida, pois não foram encontrados fósseis no período de 100 milhões a 140 milhões de anos atrás.

De acordo com Caldwell, os cientistas já imaginavam que existiam cobras há mais de 100 milhões de anos, mas a ausência de fósseis deixava a impressão de que elas surgiram repentinamente naquele período.

Segundo os autores, o estudo mostra que, no período de 167 milhões e 100 milhões de anos atrás, cobras ancestrais já estavam se diferenciando em espécies distintas e evoluindo para adquirir formas semelhantes às das cobras marinhas que viveram de 90 milhões a 100 milhões de anos atrás - até agora consideradas as mais antigas.

As cobras marinhas tinham patas traseiras pequenas e desenvolvidas. "Ao que tudo indica, as cobras ancestrais também tinham pernas. Mas as características da cabeça são semelhantes às das cobras modernas. Isso sugere que a evolução das cabeças ocorreu antes de as cobras perderem as patas."

A Eophis underwoodi, achada perto de Kirtlington, sul da Inglaterra, é a cobra com 167 milhões de anos registrada pelo estudo. Segundo Caldwell, a pesquisa indica que há cobras ainda mais antigas do que ela.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Macaco também é gente



Plínio Bortolotti


Carlus

Um indivíduo toma um choque e cai desmaiado em cima do trilho de um trem. Um colega dele corre para prestar socorro, e tenta reanimar o ferido, que não dá sinais de vida. Então, ele faz outra tentativa, mergulhando a cabeça do acidentado em uma poça de água, chacoalhando seu corpo. A operação demora cerca de 20 minutos até que o ferido recobra a consciência, e o sujeito que o salvou – pondo em risco a própria vida -, fica a massagear-lhe as costas.

Um menino cai em um fosso e, indefeso, corre o perigo de ser atacado por um bando de sujeitos que está próximo. Um deles corre para acudir a criança, protege-a com seus braços, até entregá-la para receber os primeiros socorros.
No primeiro caso, os personagens são dois macacos-rhesus. O episódio aconteceu em uma estação de trens na Índia, repleta de humanos, que limitaram-se a filmar a cena.

O segundo, foi em um zoológico dos Estados Unidos, envolvendo um humano (a criança) e uma gorila fêmea, que tomou o menino no colo, e a deixou a salvo em cima de uma pedra, ao lado da porta usada pelos tratadores para alimentar um bando de gorilas.

Os dois casos voltaram-me à memória devido à decisão da Justiça Argentina, que concedeu habes corpus a Sandra, uma fêmea de orangotango, que vive no zoológico de Buenos Aires, para que seja libertada em um santuário para animais.

A Câmara de Cassação Penal (tribunal penal máximo da Argentina), por unanimidade, reconheceu a orangotango como “sujeito não humano”, privado ilegalmente de sua liberdade. A decisão poderá criar jurisprudência, pois até então, a Justiça argentina considerava animais objetos e não sujeitos. O processo foi iniciado por ativistas dos direitos dos animais e o zoológico poderá apelar à Corte Suprema de Justiça.

Para a Associação de Funcionários e Advogados dos Direitos dos Animais (Afada), a decisão abre caminho para que tanto os grandes símios quanto “outros seres sencientes”, que se encontram privados de liberdade em zoológicos, circos, parques aquáticos e laboratórios, possam ser libertados. (“Senciente” é o ser capaz de sofrer, sentir prazer ou felicidade).

Há tempos ativistas dos direitos dos animais e muitos cientistas deixaram de separar a espécie animal em “racionais” e “irracionais”, preferindo falar em “níveis de racionalidade”, na qual, por enquanto, nós humanos continuamos no topo (com as máquinas mordendo-nos os calcanhares).

Produzir ferramentas, dispor de linguagem, reconhecer a própria imagem, fazer alianças políticas com membros do grupo, planejar ações – são competências das quais também dispõem os grandes primatas. E, a exemplo dos humanos, eles podem usar para essas habilidades para praticar o altruísmo ou a guerra.

No livro Macacos (Publifolha), Drauzio Varella comenta as características dos quatro grandes primatas: orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos. Mostra como os nossos primos se organizam em sociedade, como disputam o poder, fazendo coalizões e se arranjam em acordos para conquistar aliados – e também como se preparam para a guerra. Em um dos trechos, ele relata como um grupo de chimpanzés (sete machos adultos, uma fêmea e um adolescente) se organizam para atacar o bando vizinho, e como eles conduzem a expedição punitiva em silêncio, até surpreender, com um violento ataque, com paus e pedras, o líder rival.

NOTAS

Créditos
Para ver: macaco-rhesus salva companheiro na Índia; gorila tira criança do fosso e a entrega a tratadores. Para ler: as informações sobre a decisão da Justiça da Argentina, reproduzidas neste artigo, são de notícia publicada no portal da Deutsche Welle.

Coalizões
Diferentemente dos gorilas e orangotangos, entre os chimpanzés o líder não é necessariamente o mais forte, porém, o que consegue estabelecer melhores alianças. Os bonobos formam uma sociedade matriarcal, com as coalizões femininas comandando os machos. Diferentemente dos chimpanzés, a convivência entre os bonobos é pacífica, obtida por meio de estratégias sexuais.

Bonobos e o sexo livre
Todas as práticas sexuais humanas já foram registradas entre os bonobos: macho-fêmea, fêmea-fêmea, macho-macho, fêmea adulta-macho juvenil, macho adulto-fêmea juvenil, macho adulto-macho juvenil e os juvenis entre eles. (As informações das duas últimas notas são do livro Macacos.)


 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Uma nova ciência aberta

Em entrevista à CH, o economista norte-americano Paul David fala sobre as formas colaborativas de produção científica, a complexidade do processo e o uso de ferramentas digitais de código aberto. 
 
Por: Marcelo Garcia, Ciência Hoje/ RJ
 

Publicado em 08/01/2015 | Atualizado em 08/01/2015

 
Uma nova ciência aberta
A abertura é fundamental para que a ciência funcione ao longo do tempo,
pois é preciso que o conhecimento possa ser examinado, validado,
utilizado e comunicado. (imagem: Freeimages/ Gerard79)
 
Nos últimos séculos, o desenvolvimento do conhecimento científico baseou-se em larga escala no acesso aberto a dados, resultados e procedimentos, pequenos tijolos adicionados por mentes determinadas ao grande edifício chamado ciência. O moderno mundo digital contemporâneo, no entanto, presencia um grande terremoto pelo qual passam essas práticas institucionalizadas.
 
De um lado, elas são tensionadas pelo avanço do interesse privado e comercial sobre a pesquisa, em todos os níveis, por apropriações e leis mais restritivas de propriedade intelectual e pelo controle de um mercado editorial concentrado. De outro, aspirações mais libertárias dão força a um movimento em prol da renovação da ciência aberta por meio do uso do código aberto (que defende aspectos relacionados à liberdade de adaptação, uso e distribuição de ferramentas digitais) para a produção colaborativa do conhecimento, de alternativas flexíveis de licenciamento e da maior valorização da participação direta da sociedade.
 
Durante o encontro internacional ‘Ciência aberta, questões abertas’, realizado no Rio de Janeiro, a Ciência Hoje conversou com Paul David, professor emérito de economia das universidades de Stanford (Estados Unidos) e Oxford (Inglaterra) e convidado de honra do evento. Nesta entrevista exclusiva, ele fez um mergulho na história da construção da ciência aberta como a conhecemos hoje e destacou que a relação entre essa prática e a atividade privada de pesquisa e desenvolvimento está em desequilíbrio.

David alertou ainda para o perigo de tomar como paradigmas de uma nova ciência aberta as características únicas do processo de produção das ferramentas digitais de código aberto, que em geral não reflete a complexidade do processo científico.

A ciência aberta valoriza a divulgação rápida, como garantia do reconhecimento do pioneirismo de uma descoberta e pelo fato de que, quanto mais cedo o conhecimento se torna disponível, mais cedo os erros, se existirem, serão revelados

Paul David

Ciência Hoje: O que o senhor entende como ciência aberta?
David: É um conceito que pode ser confuso, em especial para os mais jovens, que não experimentaram o mundo antes do código aberto. A ciência aberta tem cinco características fundamentais: cooperação entre os cientistas, autonomia em relação a agendas específicas, desinteresse de ganhos pessoais com a pesquisa, abertura de resultados e métodos e expectativa de verificação pela replicação. As recompensas se dão pela reputação, construída com base na avaliação dos pares. A abertura é fundamental para que a ciência funcione ao longo do tempo, pois é preciso que o conhecimento possa ser examinado, validado, utilizado e comunicado. Por isso, a ciência aberta valoriza a divulgação rápida, como garantia do reconhecimento do pioneirismo de uma descoberta e pelo fato de que, quanto mais cedo o conhecimento se torna disponível, mais cedo os erros, se existirem, serão revelados.

A ciência aberta, então, não é algo novo? 
Não, longe disso. É uma prática que nasceu nos séculos 16 e 17 e que passou por um processo de institucionalização crescente ao longo dos séculos 19 e 20. Ela rompeu com a tradição medieval de não revelar os segredos da natureza.

Os primeiros cientistas eram bancados por patronos, mais interessados em ter alguém de renome em sua corte do que no conhecimento que produziam. Por isso era importante acumular reputação. Uma opção para isso eram desafios públicos, comuns na matemática. Os cientistas também começaram a trocar correspondência entre si para debater temas científicos, apresentar descobertas e, dessa forma, ganhar o reconhecimento de seus pares, o que aumentava a chance de valorização também por potenciais patronos.

O sistema não se resumia a um jogo de afagos entre seus participantes, sob o risco de cair em rápido descrédito. Muitas vezes, o cientista trabalhava na resolução de problemas práticos, como criar um sistema de encanamento para um castelo, projetos de irrigação ou alguma invenção militar e, em troca, tinha liberdade e proteção para seus próprios trabalhos exploratórios. Galileu Galilei [1564-1642], por exemplo, aperfeiçoou o telescópio e escreveu a famosa obra O mensageiro das estrelas com suas descobertas. Mas qual era a mensagem? A grandeza da casa dos Médici – sob cuja proteção passou a viver, mas nem isso o manteve longe de problemas.

Como isso determinou a forma como a ciência aberta se estruturou? É aí que surge a ideia do cientista sobre o ombro de gigantes, como na famosa frase de Isaac Newton (1642-1727)? 
Nessa época começou a se consolidar o processo científico como cumulativo e coletivo, no qual as contribuições de cada um serviam de plataforma para quem viria depois. Como produto social, não há ninguém organizando, dizendo para onde o processo deve ir. É claro que há pessoas que dão contribuições mais fundamentais, mas, se a ciência evoluísse apenas com ‘gênios’, o processo seria muito lento e irregular. Sobre a frase de Newton, o engraçado é que o sentido original dela era torpe. Quando disse isso, ele se referia diretamente a Robert Hooke (1635-1703), com quem tinha uma notória desavença. Hooke era muito baixo, já Newton era alto. Então Newton diz que, se pode enxergar a tão grande distância, foi subindo nos ombros de gigantes – ou seja, não nos de pigmeus. Parece algo humilde, mas na verdade foi o contrário. Tudo é contexto.

As universidades só se tornaram centrais na produção do conhecimento na metade do século 19

Esse modelo não era institucionalizado. Como chegamos ao sistema de hoje, no qual as universidades assumem o papel de centros propagadores de ciência?
O primeiro grande passo rumo à institucionalização veio com a criação das reais academias no Reino Unido e na França. Elas inauguraram o patronato de Estado. Uma das ciências que mais recebiam atenção nesse momento era a astronomia, essencial para a produção de mapas mais precisos. As universidades só se tornaram centrais na produção do conhecimento na metade do século 19, em especial na Alemanha, e depois nos Estados Unidos, onde não havia um histórico de institutos de pesquisa reais ou estatais. A vantagem da universidade é que era ótima para formar novos pesquisadores, enquanto os institutos só concentravam quem de algum modo já detinha o conhecimento. E as universidades mantiveram as formas de recompensa e valorização dos cientistas e de reconhecimento do pioneirismo da descoberta.

Nesse cenário de emergência da ciência aberta, havia espaço para a geração de conhecimento fechado? 
Sim. Havia, por exemplo, a área militar, e mesmo alguns cientistas e matemáticos que entravam nesses desafios guardavam seus segredos. E havia áreas inteiras que eram secretas, em especial a alquimia. O próprio Newton dedicou à alquimia muito de seu tempo. E, nessa época, foram lançadas as bases para as patentes, que surgiram como uma forma de expandir o conhecimento e não de aprisioná-lo.

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 321. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

Fonte

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Prêmio Nobel denuncia revistas de alto impacto e diz que distorcem a ciência

publicado em recortes por Marcelo Vinicius

Nobel de Medicina Randy Schekman disse: 'pressão dos cientistas para publicar nessas revistas de luxo encorajam pesquisadores a perseguir campos científicos da moda'. A revista científica Nature se defendeu das críticas do prêmio Nobel Randy Schekman ao assegurar que seleciona os estudos que publica com base em sua relevância.

w.schekman-100813.jpg
Randy Schekman
O ganhador do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2013, Randy Schekman, denuncia as revistas científicas pela mercantilização da ciência. Em artigo publicado no jornal inglês The Guardian, em dezembro do ano passado, ele afirma que os incentivos oferecidos pelas principais revistas distorcem a ciência.
 
Atento à mercantilização da pesquisa, ele diz no artigo que as decisões editoriais das grandes revistas científicas são guiadas por interesses comerciais, não apenas científicos, e que a cultura de supervalorização dessas publicações como estandartes de qualidade é prejudicial à ciência como um todo.
 
Também em dezembro de 2013, o ANDES-SN fez denúncia semelhante em reportagem da Revista Dossiê Nacional Precarização II, o “Desvio ideológico na concepção do mérito acadêmico” provocado por esse sistema de produção igualmente conhecido com “mcdonaldização” da ciência. (Leia aqui).
 
Schekman classifica esses periódicos de “revistas de luxo” e um de seus argumentos principais para denunciá-los é que eles “publicam muitos trabalhos importantes (outstanding), mas não só trabalhos importantes; nem são elas as únicas que publicam pesquisas importantes”.
 
O pesquisador destaca que muitas vezes a escolha do que é publicado ou rejeitado nessas revistas baseia-se numa avaliação de impacto que não reflete necessariamente ou unicamente a qualidade e/ou a importância de um trabalho, mas também a repercussão na mídia e o número de citações que ele poderá trazer para a revista.
 
Em outras palavras, as pesquisas não são avaliadas apenas pelo seu impacto científico, mas também pelo seu potencial impacto midiático e econômico. Pois são revistas comerciais, que cobram caro pelo seu conteúdo e precisam vender assinaturas para sobreviver financeiramente.

No artigo, Schekman denuncia exatamente o que os pesquisadores brasileiros Roberto Leher, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Carlos Saito, da Universidade de Brasília (UnB); e Maria Suely Leonart, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), revelam na Dossiê Nacional Precarização II.

Ele diz que é preciso levar em conta que o fator de impacto é uma nota média, baseada no total de citações recebidas por todos os trabalhos publicados numa revista ao longo de um determinado período, e que mesmo o fato de um trabalho ser muito citado não significa, automaticamente, que ele seja muito importante. “Um trabalho pode ser muito citado porque é boa ciência, ou porque é chamativo, provocativo ou incorreto”, escreve Schekman.

“Os editores das revistas de luxo sabem disso, por isso aceitam trabalhos que vão repercutir porque tratam de assuntos que são ‘sexy’ ou propõem conclusões desafiadoras. Isso influencia a ciência que os cientistas produzem; construindo bolhas de ‘pesquisa fashion’ nas quais os pesquisadores podem fazer propostas ousadas que essas revistas desejam, e desencorajando a realização de outras pesquisas importantes, como a replicação de resultados”, diz o pesquisador.

Open access
Como alternativa a esse modelo, Schekman defende a publicação em revistas de acesso livre na internet (open access journals), sem fins lucrativos. De 2006 a 2011, ele foi editor-chefe da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a revista científica da Academia Nacional de Ciências dos EUA — também uma revista de alto impacto, mas não tanto como Nature e Science.
 
Em 2012, ele assumiu o posto de editor-chefe da eLife, uma revista online de acesso livre criada pelo HHMI, a fundação britânica Wellcome Trust e a Sociedade Max Planck, da Alemanha. A proposta da eLife é ser uma revista “para cientistas, editada por cientistas”, livre de interesses comerciais (para mais informações, assista ao vídeo clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=oR5ox0Pzd3s)

Para entender a lógica dos argumentos de Schekman basta pensar na seguinte situação: Se, por um lado, um pesquisador brasileiro A publicar um trabalho na eLife, ele (supostamente) terá sido revisado por alguns dos melhores cientistas da área e terá sido avaliado com base em critérios de qualidade puramente científicos; mas, aos olhos da sua instituição, da Capes e das agências de fomento brasileiras, será uma publicação de pouca importância porque o fator de impacto da eLife é baixo.
 
Por outro lado, um pesquisador brasileiro B que publicar um trabalho qualquer na Nature, Science, Cell ou outra revista de alto impacto será automaticamente visto como um grande cientista, não importa a qualidade ou a importância da sua pesquisa em questão (que pode ser maior, menor ou igual à da pesquisa publicada na eLife).
 
“Isso significa que o pesquisador B é melhor do que o A? Talvez sim, talvez não. Só mesmo uma análise individual, caso a caso, pode determinar isso com precisão. O grande problema é: Quem tem tempo para uma análise dessas?”, indaga.

A edição de 2013 do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, distribuído pelo Instituto Karolinska, uma universidade da Suécia, concedeu aos vencedores 8 milhões de coroas suecas (US$ 1,3 milhão). Bioquímico e pesquisador do Instituto de Medicina Howard Hughes (HHMI), da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Schekman ganhou o prêmio juntamente com os cientistas norte-americano James Rothman e alemão Thomas Südhof pela descoberta dos mecanismos essenciais que executam e controlam o transporte de moléculas no interior das células. As descobertas do trio ajudaram a compreender melhor doenças como tétano e diabetes.

size_590_foto_1.jpg
Randy Schekman
Slow Science
Em contraposição à fast Science, em 2010, surgiu na Alemanha o manifesto “slow science”, o qual ganhou projeção e adesão de boa parte do mundo científico no planeta e agora conta até com uma petição online, lançada na França. Os cientistas signatários da slow science entendem que o mundo da ciência sofre de uma doença grave, vítima da ideologia da competição selvagem e da produtividade a todo preço.
 
A praga cruza os campos científicos e as fronteiras nacionais. O resultado é o distanciamento crescente dos valores fundamentais da ciência: o rigor, a honestidade, a humildade diante do conhecimento, a busca paciente da verdade. A “mcdonaldização” da ciência produz cada vez mais artigos científicos, atingindo volumes muito além da capacidade de leitura e assimilação dos mais dedicados especialistas. Muitos trabalhos são publicados, engrossam as estatísticas oficiais e os currículos de seus autores, porém poucos são lidos e raros são, de fato, utilizados na construção da ciência.

Os defensores da slow science acreditam que é possível resistir à fast science. Defendem a possibilidade de reservar ao menos metade de seu tempo à atividade de pesquisa; pretendem se livrarem, vez por outra, das demandantes atividades de ensino e das atividades administrativas; querem privilegiar a qualidade e não a quantidade de publicações; e pleiteiam preservar algum tempo para os amigos, a família, o lazer e o ócio.

Em 2011, o movimento foi divulgado na rede social Facebook e, com isso, o Manifesto do grupo ganhou notoriedade. “Somos a favor da ciência acelerada do início do século XXI. Somos a favor do fluxo interminável de revistas com pareceristas anônimos e seu fator de impacto; gostamos de blogs de ciência e mídia, e entendemos as necessidades que relações públicas impõem. Somos a favor da crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Queremos pesquisas que tragam saúde e prosperidade no futuro. Estamos todos neste barco juntos”, diz o documento.

No Manifesto, os mais de mil adeptos da Slow Science acredita que isto não basta. Eles pensam que a “ciência precisa de tempo para pensar, de tempo para ler e tempo para fracassar”. Afirmam que “a ciência nem sempre sabe onde ela se encontra neste exato momento, que a ciência se desenvolve de forma instável, por meio de movimentos bruscos e saltos imprevisíveis à frente e que, ao mesmo tempo, contudo, ela muitas vezes emerge lentamente, e para isso é preciso que haja estímulo e reconhecimento”.

No Manifesto, o Movimento Slow Science informa que “durante séculos, a slow science foi praticamentea única ciência concebível” e que, para eles, ela merece ser recuperada e protegida, que a sociedade deve dar aos cientistas o tempo de que eles necessitam, e os cientistas precisam ter calma.
 
“Sim, nós precisamos de tempo para pensar. Sim, nós precisamos de tempo para digerir. Sim, nós precisamos de tempo para nos desentender, sobretudo quando fomentamos o diálogo perdido entre as humanidades e as ciências naturais. Não, nem sempre conseguimos explicar a vocês o que é a nossa ciência, para o que ela servirá, simplesmente porque nós não sabemos ainda. A ciência precisa de tempo: – Tenham paciência conosco, enquanto pensamos”.

A íntegra do artigo de Schekman, em inglês, pode ser lida aqui: http://migre.me/hdxhX.

Nature se defende das críticas do Nobel Randy Schekman

nature.jpg
Nature se defendeu das críticas do prêmio Nobel de Medicina
Randy Schekman ao assegurar que seleciona os estudos
que publica com base em sua relevância.

Londres - A revista britânica "Nature" se defendeu das críticas do prêmio Nobel de Medicina Randy Schekman ao assegurar que seleciona os estudos que publica "com base em sua relevância científica" e não em seu impacto.
 
O biólogo celular declarou um boicote a essa revista e às americanas "Cell" e "Science", às quais não voltará a enviar mais pesquisas de seu laboratório, por considerar que distorcem o processo científico e representam uma "tirania".

O americano, ganhador do prêmio Nobel de Medicina em 2013, considera que a pressão dos cientistas para publicar nessas revistas "de luxo" encorajam os pesquisadores a perseguir campos científicos "da moda" em vez de realizar trabalhos de mais relevância.

Em artigo publicado esta semana em "The Guardian", Schekman afirma que o problema se exacerba pelo fato de que os diretores dessas publicações não são cientistas, mas profissionais que buscam a publicação de estudos com mais impacto.

"Publiquei com os grandes nomes, incluindo publicações que me valeram para ganhar um prêmio Nobel. Mas já não mais", disse ao periódico, acrescentando que: "Da mesma forma que Wall Street tem que se desligar da cultura das gratificações, a ciência deve romper com a tirania das publicações famosas".

Em resposta a Schekman, o diretor da "Nature", Philip Campbell, disse que sua revista trabalha com a comunidade científica há mais de 140 anos e que o apoio recebido por parte dos autores de pesquisas e críticos valida seu trabalho.

"Selecionamos as pesquisas que vão ser publicadas na 'Nature' com base em sua importância científica", afirmou Campbell em comunicado enviado hoje à Agencia Efe.

"A comunidade científica tende a uma 'superdependência' ao avaliar as pesquisas pela publicação na qual aparecem ou pelo 'fator impacto' dessa revista", reconheceu.

Campbell lembrou que, em uma pesquisa realizada este ano pelo Grupo Editorial Nature entre mais de 20 mil cientistas, os três fatores mais importantes na hora de escolher uma publicação para divulgar um estudo foram: "A reputação da revista, a relevância do conteúdo da revista em sua disciplina e o fator impacto dessa publicação".

"Meus colegas e eu expressamos preocupação com a 'superdependência' nos fatores de impacto muitas vezes ao longo dos anos, tanto nas páginas da 'Nature' como na de outras revistas", disse.

Fontes: Agência EFE | LONDRES ANDES-SN
 


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Brasileiros preferem publicar em revista tradicional às de livre acesso

26 de maio de 2012 • 16h52 • atualizado às 17h25

Uma iniciativa de cientistas do mundo todo está propondo uma revolução no mundo acadêmico. Chamada de Primavera da Academia, a campanha incentiva o boicote às editoras de periódicos científicos, que impõem aos interessados em seu conteúdo assinaturas que chegam a US$ 40 mil. O movimento ganhou força com o apoio de universidades como Harvard, que publicou um comunicado, no dia 17 de abril, incentivando seus pesquisadores a disponibilizarem seus artigos gratuitamente em seu site. Contudo, hoje, apesar das cobranças, os cientistas brasileiros ainda priorizam as publicações tradicionais, publicando poucos artigos em revistas de livre acesso.
 
Os pesquisadores justificam a preferência. "É importante publicarmos em revistas tradicionais, pois elas têm uma notoriedade maior, e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) está muito preocupada com o índice de impacto das publicações. Se o pesquisador não publica artigos em revistas com alto índice, ele não é considerado prestigiado na classificação do órgão, o que prejudica os alunos e o curso dele, pois cursos com classificação abaixo de 4 na avaliação fecham. Se eu tiver cinco artigos publicados na Nature, eu tenho portas abertas no mundo inteiro, o que não ocorre se publicar cinco trabalhos em revistas de livre acesso", explica o professor de bioquímica da Unicamp Anibal Vercesi.
 
O professor de física da USP-São Carlos Vanderlei Bagnato concorda: "Você tem que se preocupar em publicar em periódicos sérios e reconhecidos, porque, para nós, a credibilidade do trabalho vem com a publicação nessas revistas". Por outro lado, ele também destaca a importância da publicação de artigos nas revistas de livre acesso. "Todo mundo quer ler trabalhos relevantes. Por isso, as pessoas procuram acessar publicações de boa reputação, e pelas quais não precisam pagar. Por isso, o ideal seria a gente unir essas duas características em revistas de acesso livre, que também são mais vantajosas para quem publica nelas, já que podem ser lidas por mais pessoas", diz.
 
Para o professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Isaac Roitman, o quadro brasileiro da publicação de artigos científicos deve ser analisado historicamente. "Há 30, 40 anos, era muito mais difícil para o pesquisador do Brasil publicar os seus trabalhos em periódicos científicos, e poucas publicações brasileiras preenchiam os requisitos de qualidade exigidos. Além disso, o acesso às revistas estrangeiras era muito mais difícil e lento", analisa. Contudo, especialmente nos últimos 10 anos, a popularização da internet permitiu o maior acesso a publicações do mundo todo, que passaram a ter versões online.

Portal facilita acesso a periódicos
Para acadêmicos e pesquisadores brasileiros, esse acesso é facilitado pelo portal de periódicos da Capes, que disponibilizou, em 2011, o acesso a 31 mil revistas científicas para 326 instituições de ensino do país, a um custo de R$ 133 milhões. Alguns dos conteúdos do portal da Capes, criado em 2000, são acessíveis todos, como dissertações produzidas em programas de pós-graduação e periódicos publicados no país. Outros conteúdos são liberados apenas para bibliotecas, alunos e pesquisadores vinculados a universidades públicas e privadas que atendam a pré-requisitos exigidos pela instituição, como oferecer programas de pós-graduação que tenham uma nota mínima na avaliação da Capes.
 
Se o valor gasto para a assinatura dos periódicos parece alto, Roitman diz que a quantia é pequena se comparada ao que representa. "O portal da Capes é um grande salto: é como se fosse uma grande biblioteca, acessível a diversas universidades brasileiras. Poucos países têm algo de tamanha magnitude, com tantos conteúdos de qualidade disponíveis. Pode parecer caro, mas considerando o valor que cada um de nós pagaria para assinar as versões impressas dos periódicos, é muito mais barato. Além disso, sem o portal, muitas pessoas não teriam acesso a esses conteúdos", destaca.
 
Mesmo com a existência do portal, o acesso a publicações científicas de renome no mundo ainda é inviável para grande parte dos leitores de fora do mundo acadêmico - que, diferentemente de muitos cientistas brasileiros, não recebem verbas para assinatura de periódicos nacionais e estrangeiros. O auxílio aos pesquisadores é fornecido pelas agências de fomento nacionais, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e estaduais, como as fundações de amparo à pesquisa, entre elas a Faperj e a Fapesp.
 
Publicações de livre acesso também cobram
Mas publicar em uma revista de livre acesso não significa se livrar de qualquer tipo de cobrança. "Algumas cobram dos pesquisadores para publicarem seus artigos. Outras não, pois são mantidas por apoio governamental, por exemplo. De qualquer forma, sempre existe o custo de manter essas revistas, mesmo elas sendo virtuais, pois têm demandas, como o corpo editorial. Alguém tem que pagar", esclarece Bagnato.
 
Para Vercesi, a popularização dos periódicos livres no país durante os próximos anos depende de como forem administrados. "Mais importante do que cobrar ou não dos pesquisadores para a publicação de artigos é que o leitor tenha livre acesso. Seria maravilhoso que a ciência estivesse ao alcance de todos através desses periódicos, mas qual vai ser a política para se chegar a isso? Uma opção pode ser que as próprias fundações de amparo à pesquisa se associem para pagar o custo dessas publicações", aponta.
 
Bagnato considera incerto o crescimento dos periódicos de livre acesso no Brasil, e que também depende do impacto de campanhas como a Primavera da Academia. "O aumento do número de revistas de acesso livre no Brasil tem sido pequeno, e é muito difícil prever o que vai ocorrer. Todo mundo gostaria de ter seus trabalhos publicados em publicações de livre acesso, mas isso não ocorre se elas não tiverem o impacto necessário. O futuro delas depende muito do que acontecer a seguir, se eventos como o apoio dado por Harvard refletirem mundialmente", ressalta.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra  
Fonte

 

Não tente argumentar com bolsominions, eles funcionam como os psicóticos

em 30 de março de 2020 por Vera Lúcia do Amaral Um dos sintomas mais caros da psicopatologia, quando se estuda as psicoses, é o d...