Um
artigo publicado na Nature Communications, uma das mais influentes
revistas científicas, apresenta o sequenciamento do genoma do Biomphalaria glabrata, espécie de caramujo que é o principal e mais importante hospedeiro do Schistosoma mansoni,
causador da esquistossomose, doença que afeta 240 milhões de pessoas em
todo o mundo. O estudo que deu origem ao artigo envolveu instituições
de onze países, entre elas a Fiocruz Minas.
O mapeamento fornece uma descrição completa acerca das
características do caramujo, incluindo informações relacionadas à
estrutura física do molusco e ainda à forma como ele se comporta. Isso
torna possível, por exemplo, entender como funciona os sistemas
digestivo, respiratório, reprodutivo, entre outros, além de jogar luz
sobre questões comportamentais, que podem explicar a forma de interação
entre o Biomphalaria glabrata e o ambiente. Ao todo, foram identificados 14.423 genes.
“A partir de agora, será possível melhor entender e compreender a
funcionalidade desse molusco e encontrar formas mais eficazes para
controlá-lo ou torná-lo, se possível, um molusco resistente à infecção
pelo S. mansoni. Talvez possamos entender como o mecanismo de defesa da B. glabrata
permitiu que o parasita se adaptasse tão bem a ele”, afirma o
pesquisador Omar dos Santos Carvalho, do Grupo de Helmintologia e
Malacologia Médica (HMM) da Fiocruz Minas.
O estudo, que durou 15 anos, teve início na Fiocruz Minas, com a
captura e caracterização dos caramujos, realizadas pelos pesquisadores
Omar Carvalho, Roberta Caldeira e José Amorim da Silva. Nos laboratórios
da unidade, os caramujos foram submetidos a diferentes experimentos,
visando assegurar que a espécie coletada era de fato a B. glabrata.
“Fizemos a identificação morfológica, ou seja, uma análise dos órgãos
internos de vários exemplares do caramujo e, para ampliar a
confiabilidade, realizamos estudos moleculares para confirmação da
identificação da espécie”, explica a pesquisadora Roberta Caldeira, do
Grupo de HMM. Segundo ela, os moluscos coletados foram ainda submetidos à
infecção com duas cepas de Schistosoma mansoni, já que uma característica relevante da B. glabrata é a alta taxa de infectividade.
Os pesquisadores da Fiocruz também fizeram análise de dados
genômicos, proteômicos e transcritômicos, bem como a Identificação de
proteínas envolvidas na via de pequenos RNAs . Os resultados dessas
metodologias de nomes complicados fornecem informações importantes
acerca da biologia do caramujo, bem como da relação entre ele e o
hospedeiro. Possibilitam também compreender melhor os mecanismos de
suscetibilidade e resistência de B. glabrata ou ainda as condições que a torna mais propensa à infecção.
“O grande diferencial desse estudo é a enorme quantidade de
possibilidades que ele gera. Para se ter uma ideia, foram publicados, em
forma de suplementos neste artigo da Nature, cerca de outros 50 artigos
explorando os dados genômicos gerados por esse projeto”, destaca
Caldeira.
O estudo envolveu o trabalho de 118 pesquisadores. Só na Fiocruz
Minas e na Universidade Federal de Uberlândia, 16 pessoas estiveram
envolvidas: Roberta Caldeira, Omar Carvalho, Liana Passos, Guilherme
Oliveira, Juliana Assis, Yesid Cuesta-Astroz, Sandra Gava, Fernanda
Ludolf, Francislon Oliveira, Fabiano Pais, Izinara Rosse, Larissa
Scholte, Matheus de Souza Gomes, Elio Baba, Laurence Amaral e Wander
Jeremias. Dentre esses, Guilherme Oliveira, agora no Instituto
Tecnológico Vale em Belém, foi um dos membros do comitê que editou a
versão final do artigo.
“O sucesso desse trabalho é resultado do esforço de uma equipe
internacional. Foi um grande prazer e muito gratificante participar
deste grande grupo”, ressalta Omar Carvalho.
Esquistossomose no país. Segundo a responsável
técnica pelo Programa de Esquistossomose do Ministério da Saúde, Jeann
Marie Marcelino, dados do Inquérito Nacional de Prevalência da
Esquistossomose e das Geo-helmintíases mostram que aproximadamente 1,5
milhão de pessoas possam estar infectadas com o Schistosoma mansoni no país. A
transmissão ocorre de forma endêmica nos Estados de Alagoas, Bahia,
Maranhão, Pernambuco e Sergipe, na região Nordeste, e em Minas Gerais e
no Espírito Santo, na região Sudeste. Há registro de focos de
transmissão no Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São
Paulo e no Pará.
De acordo com o inquérito, no período de 2001 a 2015, foram
detectados cerca de 38 mil casos na área endêmica. Nesse mesmo período,
houve uma média de 195 internações e 488 óbitos. Em 2015, foram 193
internações e 459 óbitos.
No restante do país, são notificados casos, em sua maioria importados
de áreas endêmicas, devido ao fluxo migratório de pessoas. Em 2015,
foram notificados 4.356 casos, incluindo as formas graves da doença.
De acordo com uma publicação do Ministério da Saúde de 2008, o caramujo da espécie Biomphalaria glabrata
está distribuído em 806 municípios, de 16 estados brasileiros (AL, BA,
DF, ES, GO, MA, MG, PA, PB, PR, PE, PI, RJ, RN, RS, SP e SE) e no Distrito
Federal.
A doença- A esquistossomose é uma doença causada pelo Schistosoma mansoni, parasita que tem no homem seu hospedeiro definitivo, mas que necessita de caramujos, como B. glabrata, como
hospedeiros intermediários para desenvolver seu ciclo evolutivo. A
transmissão desse parasita se dá pela liberação de seus ovos através das
fezes do homem infectado. Em contato com a água, os miracídios eclodem e
penetram nos caramujos e, algum tempo depois, liberam novas larvas. Na
água, as larvas (cercarias) penetram na pele e/ou mucosa do homem,
reiniciando o ciclo.
A doença apresenta duas fases durante seu processo evolutivo: aguda e
crônica. Na primeira fase, os principais sintomas podem ser vermelhidão
e manifestações de coceiras e dermatite na pele, febre alta,
inapetência, fraqueza, enjoo, vômitos, tosse, diarreia e rápido
emagrecimento. Na fase crônica, a mais grave, os sintomas são o aumento
do abdômen e de órgãos como fígado e baço, hemorragias ao defecar,
fadiga, cólica, prisão de ventre, cirrose e o aparecimento de ínguas em
diversas partes do corpo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, as
esquistossomoses são consideradas o segundo maior problema de saúde
pública em todo o mundo, ficando atrás apenas da malária.
Texto: Keila Maia
Foto cedida pelo Grupo de Helmintologia e Malacologia Médica