Publicado por Yue Jheimes Sorrell
em fevereiro 11, 2016
Desde Darwin, sabemos que nossa ciência é uma empreitada
coletiva que deve estar ligada a uma boa rede de contatos. Antes de
deixar o Brasil, há aproximadamente 4 anos, Wesley Dáttilo, carioca –
formado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense sob a orientação
do Prof. Richard Ian Samuels – já estabelecia sua rede.
O convite para doutorado chegou quando faltava 3 meses para
terminar o mestrado, em Ecologia e Conservação, pela UFMT sob a
orientação do Dr. Thiago Izzo. ‘‘Era a oportunidade de trabalhar com um
dos maiores especialistas e divulgadores das interações formiga-planta
no mundo. Não são todos os dias que se recebe um convite desses, né?!’’.
Hoje, quando concedeu essa entrevista por e-mail,
Wesley Dáttilo é doutor em Comportamento Animal, pela Universidade
Veracruzana (México) sob a orientação do Dr. Víctor Rico Gray.
E atualmente, é pesquisador do Instituto Nacional de Ecologia
(INECOL) no México, onde o interesse atual do seu laboratório é: ‘‘como
as espécies e suas interações ecológicas variam no espaço e no tempo, e
como estes são influenciados por distúrbios ambientais’’. Seus estudos
combinam história natural, modelagem estatística, sistemas de
informação geográfica (GIS), extensos inventários e experimentação no
campo. Sendo conduzidos nas florestas tropicais, nebulosas e desertos do
México e nas florestas e savanas tropicais do Brasil.
Suas pesquisas são consequência lógica das suas opções de
diversão, pois, segundo ele: ‘‘Desde muito pequeno eu era biólogo e não
sabia. Sempre tive muita curiosidade sobre as plantas, os animais e a
natureza em geral. Ficava fascinado com os documentários na televisão
mostrando a grande diversidade de formas de vida e de comportamentos
existentes na Terra. Foi questão de tempo para eu crescer e saber que eu
queria cursar Biologia’’.
Jheimes- Dr. Wesley Dáttilo, me permita fazer essas perguntas?
Dr. Dáttilo: Será um prazer conversar um pouco com vocês.
Jheimes – O curso de Ciências Biológicas do campus
da UNEMAT de Nova Xavantina Dr. Dáttilo, entre alguns fatores que
podemos destacar, não é bem cotado entre os alunos, porque é um curso de
licenciatura e muitos dizem: ‘‘Eu não quero ser professor’’. No entanto
o senhor é licenciado, e é pesquisador do Instituto Nacional de
Ecologia (INECOL) no México…
Dr. Dáttilo: Eu sempre falo que fazer uma licenciatura não limita um
biólogo a apenas dar aulas. Um licenciado tem uma oportunidade dupla de
carreira: ele pode dar aulas, mas também fazer pesquisa. Na maioria das
universidades brasileiras a carga horária e a oportunidade de estágios
são as mesmas para o bacharelado e para a licenciatura. Para mim, a
grande diferença é a experiência que o aluno carrega ao longo da sua
formação. Existem bacharéis que não tem experiência em pesquisa e
licenciados com uma enorme experiência e vice-versa. Minha dica para o
aluno que está cursando licenciatura e quer seguir a carreira de
pesquisador é entrar em algum laboratório que faça ciência de ponta
desde o início da graduação. É extremamente importante que o aluno
desenvolva seu projeto pessoal de iniciação científica sob a orientação
de um pesquisador, de forma que, com certeza, ao final da graduação o
aluno estará pronto para continuar seus estudos de pós-graduação e
seguir a carreira de pesquisador em qualquer universidade do mundo. Por
outro lado, apesar dos baixos salários, não podemos esquecer também do
déficit de professores existente no Brasil.
Existem bacharéis que não tem experiência em pesquisa e licenciados com uma enorme experiência e vice-versa.
Jheimes – Se um licenciado quiser seguir a carreira de pesquisador fora do país, quais são as recomendações?
Dr. Dáttilo: O aluno deve se aperfeiçoar ao máximo ao longo de sua
formação, incluindo cursos de idiomas, artigos publicados, participações
em congressos, uma grande rede de colaboração, experiência em docência e
em divulgação da ciência. Lembre-se que quem vai te contratar no
exterior possivelmente nunca ouviu falar de você. A diferença estará na
sua carta de apresentação, e isso inclui toda a sua experiência
profissional e o impacto da ciência que você produz. Portanto, é
importante tentar somar “pontos” na maior diversidade de requisitos
possível.
Jheimes – Thomas F. Glick, professor do departamento de
História da Boston University, diz que: ‘‘o desenvolvimento da ciência
na América Latina, raramente foi tranquilo ou linear no séc.XX’’.
Falando especificamente do México – o que o senhor acha do
desenvolvimento científico do país no séc. XXI?
Dr. Dáttilo: Eu concordo com o Prof. Glick. Nunca foi fácil e nunca
será fácil fazer ciência na América Latina, isso porque temos uma
demanda muito grande de prioridades imediatas e muitas pessoas não
conseguem ver a importância da ciência para a solução dessas
prioridades. Especificamente para o México, o país parece viver um
“boom” de apoio a ciência. Não faltam apoios e bolsas para quem quer
seguir com os estudos no país. Por exemplo, o México tem um programa de
apoio a produtividade dos seus pesquisadores comparável aos países mais
desenvolvidos do mundo. Um bolsista de produtividade no nível mais baixo
no México (SNI 1) ganha mais que o dobro (em reais) do que um
pesquisador no nível máximo (1A do CNPq) no Brasil. Além disso, existe
uma verba dentro das instituições mexicanas de pesquisa que chega todo
início de ano para o pesquisador gerenciar e fazer funcionar o
laboratório ao longo do ano, independente de projetos externos.
Recentemente, o presidente do México (Enrique Peña Nieto) veio com sua
comitiva na instituição onde eu trabalho (INECOL) inaugurar um complexo
de pesquisa (Campus III/BioMimic) que custou aproximadamente 35 milhões
de dólares e que servirá como matéria-prima para o desenvolvimento de
soluções imediatas para os problemas sócio-ambientais do país.
Um bolsista de produtividade no nível
mais baixo no México (SNI 1) ganha mais que o dobro (em reais) do que um
pesquisador no nível máximo (1A do CNPq) no Brasil.
Jheimes- Pode traçar paralelos entre o desenvolvimento científico do Brasil e México?
Dr. Dáttilo: O México vive hoje seus anos de glória na ciência, com um
apoio sem precedentes ao desenvolvimento cientifico e tecnológico do
país. Isso me lembra o que aconteceu no Brasil há uns 3-4 anos, que
inclusive financiou meus estudos de doutorado pleno no México. O que eu
vejo hoje no Brasil é uma quantidade altíssima de cortes de recursos
destinados à ciência e a educação brasileira como um todo. Eu espero que
isso seja passageiro, assim como a crise que vem se instalando no
Brasil. Tenho orgulho de ser brasileiro, amo meu país e quero ver o
Brasil andando para frente, assim como todos meus colegas que exercem a
profissão no Brasil. Apesar desse “boom” de desenvolvimento científico e
tecnológico no México, eu realmente não sei quanto tempo vai durar. Mas
pelo que eu vejo dentro dos diferentes níveis do governo mexicano, é
que eles estão começando a entender o valor do apoio à ciência básica e
aplicada para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
O que eu vejo hoje no Brasil é uma quantidade altíssima
de cortes de recursos destinados à ciência e a educação brasileira como
um todo.
Jheimes – Qual sua rede de contatos com a ciência Brasileira?
Dr. Dátilo: Eu mantenho fortes laços com a ciência brasileira. Tenho
uma grande e ativa rede de colaboração com pesquisadores em diferentes
regiões do Brasil, principalmente dentro da: Universidade Federal de
Mato Grosso, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal de
Minas Gerais, Universidade Estadual de Feira de Santana, Universidade
Federal do Paraná, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de
Ouro Preto, Universidade Estadual Paulista, e da Universidade Federal da
Bahia. Eu também ministro disciplinas e tenho alguns estudantes
cursando suas pós-graduações sob minha orientação em universidades
brasileiras. Além disso, eu tenho um papel chave nas colaborações
internacionais entre México e Brasil através do recrutamento de
estudantes brasileiros e convênios institucionais, frutos de uma
parceria que tenho com o CNPq.
Jheimes – Poderia nos falar um pouco sobre complexidade,
Teoria das Redes e suas aplicações dentro da Biologia? E como ela tem
auxiliado no desenvolvimento das suas pesquisas?
Dr. Dáttilo: Complexidade compreende um amplo conjunto de
conhecimentos cujo foco essencial é o estudo de sistemas complexos.
Esses sistemas são compostos de diversos elementos que interagem entre
si e geram novas qualidades no comportamento coletivo que não poderiam
ser atribuídas aos elementos de forma individual. A Teoria de Redes nos
fornece diferentes ferramentas que nos permitem estudar as relações e a
dinâmica entre esses elementos com o objetivo de nos fornecer
informações mais detalhadas sobre relações complexas do mundo que nos
rodeia. Dentro da biologia nós temos diferentes sistemas complexos, como
por exemplo, o código genético, através da transformação do genótipo
para o fenótipo; as interações entre proteínas, que participam de
diferentes funções vitais para um organismo; a comunicação entre células
nervosas, entre outros. Eu recomendo a leitura de um artigo em 2008
chamado
“Complexidade na Biologia”,
escrito pelo italiano Fulvio Mazzocchi para o site científico
EMBO-reports, da Nature.com. Eu uso a Teoria de Redes para compreender a
dinâmica ecológica e evolutiva das interações entre plantas e animais.
Meus estudos envolvem uma grande diversidade de sistemas complexos:
desde interações microscópicas entre plantas, bactérias e fungos, até
interações macroscópicas como por exemplo a polinização por abelhas e a
dispersão de sementes por aves e macacos. O uso dessa ferramenta está
permitindo ao nosso grupo de pesquisa descrever padrões e processos que
regulam o funcionamento dos ecossistemas e como essa dinâmica é afetada
por perturbações causadas pelo homem (ex. a fragmentação das florestas
tropicais).
Jheimes – Em seu último artigo, ‘‘Sampling effort differences
can lead to biased conclusions on the architecture of ant–plant
interaction networks’’; o senhor diz ter ‘‘avaliado como a variação no
esforço de amostragem afeta os descritores de rede mais frequentemente
utilizados na literatura, onde estudou redes de interação entre formigas
e plantas com nectário extrafloral em um ambiente tropical no Golfo do
México’’. Qual a melhor estratégia para tentar avaliar a importância das
interações das espécies para a organização da comunidade?
Dr. Dáttilo: Para mim, a melhor estratégia para compreender a
interação entre duas espécies é tentar desamarrar a complexa rede de
interação que essas espécies estão envolvidas. Só dessa forma podemos
entender o verdadeiro papel de cada espécie dentro de um ecossistema e
prever como a perda dessa interação poderia afetar as demais espécies em
um efeito cascata. Interações ecológicas regulam diferentes atributos
de um ecossistema que vão desde a produtividade primária até a estrutura
e estabilidade das populações biológicas. Muitas vezes nos preocupamos
apenas na extinção das espécies e esquecemos da extinção das interações
ecológicas que essas espécies desempenham no seu ambiente natural. A
extinção de uma espécie é sempre ruim para a natureza. Entretanto, a
extinção de uma espécie de abelha que poliniza apenas uma planta é
diferente da extinção de uma espécie de abelha que poliniza dezenas de
plantas.
Jheimes – Muitos artigos hoje, tem tentado ver o que ocorre,
caso, algumas espécies sejam suprimidas, pois, elas são capazes de
colocar toda a funcionalidade do sistema ecológico a baixo. A equipe de
Carlos Peres, da Universidade Britânica East Anglia, publicou na PNAS
‘‘Dispersal limitation induces long-term biomass collapse in overhunted
Amazonian forests’’, onde avalia redes mutualísticas – a
interdependência entre plantas e animais – com uma abordagem nova dentro
da climatologia. O problema segundo o pesquisador é que ‘‘essas
árvores de grande porte dependem basicamente desses animais para terem
suas sementes dispersas. Como elas têm troncos de alta densidade, são as
que estocam mais carbono. Aos poucos, nas áreas de sobrecaça, essas
espécies vão sendo substituídas por árvores de semente pequena e madeira
leve, de baixa densidade, que estocam pouco carbono”. Quais são as suas
prioridades para as pesquisas futuras na área de redes ecológicas,
quando pensamos em Biologia da Conservação?
Dr. Dáttilo: Em um outro trabalho publicado recentemente na
Science Advances (2015:
e1501105) por brasileiros, finlandeses, colombianos e espanhóis, foi
demonstrado que a extinção de grandes animais frugíveros afeta
negativamente a capacidade das florestas tropicais de armazenar carbono
e, portanto, o seu potencial para combater as mudanças climáticas. Logo,
estudar a extinção das interações ecológicas é fundamental para
compreender não apenas do funcionamento dos ecossistemas, mas também
para modelar o futuro e a evolução de um ambiente sem essas interações.
No ano passado nós publicamos um
artigo
na revista holandesa Forest Ecology and Management mostrando como os
programas de reflorestamento de espécies nativas e exóticas na Amazônia
poderiam recuperar a estrutura das redes de interação formiga-planta. Os
resultados fornecem uma ferramenta para os gestores de conservação,
principalmente porque mostram que florestas secundárias criadas por
regeneração natural podem ser um método eficiente e econômico para
restaurar as interações formiga-planta em florestas tropicais.
Recentemente nós começamos a desenvolver uma nova linha de pesquisa no
nosso laboratório juntamente com colegas brasileiros, voltada
exclusivamente para avaliar o efeito da fragmentação das florestas
tropicais sobre as redes de interação planta-animal. Esperamos que nos
próximos anos nós possamos contribuir um pouco mais sobre o entendimento
de como as perturbações ambientais causadas pelo homem afetam a
estrutura e as funções ecológicas das interações dentro de um
ecossistema.
Muitas vezes utilizamos a matemática como
lei e não como uma ferramenta, e esquecemos dos processos biológicos que
regem os nossos padrões biológicos observados. “Números soltos” não nos
dizem nada dentro da Biologia. A Matemática é uma das inúmeras
ferramentas que temos nas mãos. Mas nunca um computador ou um algoritmo
poderá superar a essência de um biólogo. Podemos lembrar da grande
revolução que Charles Darwin fez dentro da Biologia somente baseado nas
suas observações.
Jheimes – Podemos notar que varias são as tentativas de
compreender como diversos sistemas ecológicos funcionam em diversas
situações, como mudanças climáticas, conservação e uso do solo ou
espécies invasoras exóticas, e muitos pesquisadores tem usado as redes
ecológicas – uma ferramenta legada da física e matemática. É a
matemática o próximo microscópio da biologia, como Joel E.Cohen, diz no artigo publicado na PLoS Biology?
Dr.Dáttilo: Existe uma diversidade enorme de ferramentas
computacionais e matemáticas que podem nos abrir os olhos sobre alguns
padrões e processos dentro da biologia. Entretanto, eu discordo um pouco
do nosso colega biomatemático. Muitas vezes utilizamos a matemática
como lei e não como uma ferramenta, e esquecemos dos processos
biológicos que regem os nossos padrões biológicos observados. “Números
soltos” não nos dizem nada dentro da Biologia. A Matemática é uma das
inúmeras ferramentas que temos nas mãos. Mas nunca um computador ou um
algoritmo poderá superar a essência de um biólogo. Podemos lembrar da
grande revolução que Charles Darwin fez dentro da Biologia somente
baseado nas suas observações. A matemática nos ajuda sim a abrir os
olhos e explorar novos mundos, mas existem outros fatores de igual
importância que nos ajudam dentro da Biologia. Portanto, eu penso que
temos que trabalhar em conjunto com profissionais de diferentes áreas
para desenvolver um trabalho de integração dos conteúdos da Biologia.
Jheimes – Por último, tem algo que o senhor gostaria de acrescentar?
Dr. Dáttilo: Eu agradeço a oportunidade de contar um pouco da minha
trajetória. Eu gostaria de falar também das oportunidades que temos no
nosso laboratório para receber estudantes brasileiros, para estágios e
para cursar suas pós-graduações com bolsas de estudos do México e do
Brasil. Estamos assinando convênios com inúmeras universidades
brasileiras para encurtar essas relações e diminuir a burocracia
envolvida. Eu convido todos a visitarem o nosso site
www.wdattilo.bio.br
!!! Lá nós divulgamos os nossos artigos publicados e as oportunidades.
Eu também gostaria de felicitar o excelente trabalho de vocês. E por
fim, eu gostaria de dar uma dica a todos que querem seguir adiante
dentro da profissão: nunca desista dos seus objetivos… se dedique e
corra atrás !!!