Plataforma digital dá acesso gratuito a mais de 47 milhões
artigos científicos, cujo acesso seria cobrado se acessado através das
fontes originais.
por Apolinário e KaNNoN
A cientista da computação cazaquistanesa Alexandra Elbakyan pode
ser considerada uma Robin Hood dos tempos modernos: criou o Sci-Hub, uma
plataforma digital que dá acesso livre a quase 50 milhões de artigos
científicos
Diferente do que se comumente atribui, a história de Robin Hood não é
a de roubar dos ricos para dar aos pobres. Na verdade, o herói mítico
roubava do governo para dar de volta àqueles que pagavam impostos
abusivos. Ou seja, combatia arbitrariedades do Estado, da mesma forma, o
Sci-Hub combate a arbitrariedade da escassez artificial criada pelo
Estado através da propriedade intelectual, fornecendo gratuitamente
artigos acadêmicos para todos.
As razões da criação da plataforma estão descritas na página, “um
artigo de investigação é uma publicação especial escrita por cientistas
para ser lida por outros cientistas. Os artigos são fontes primárias
necessárias para a pesquisa – por exemplo, contém informação detalhada
sobre novos resultados e experiências. Neste momento, a mínima
distribuição de artigos de investigação, bem como de outras fontes
científicas ou educativas, está artificialmente restringida por leis de
direitos de autor”.
A filosofia é exatamente essa: dar acesso livre a todos os artigos
científicos publicados – até agora, e também no futuro. Esse propósito
está, aliás, estampado na página de abertura da plataforma (
http://sci-hub.cc),
que clama ser a primeira a prosseguir, e a concretizar, este objetivo.
Com quase 50 milhões de artigos no seu portfólio, deve estar, aliás,
muito perto de conseguir disponibilizar tudo quanto já se publicou no
universo das revistas científicas.
Pirateando
O site funciona em três etapas. Primeiro, quem busca algum artigo
insere o link ou o código DOI da obra a qual deseja ter acesso. Depois, a
plataforma tenta baixar o artigo solicitado buscando por uma cópia no
banco de dados
LibGen, um
banco de conteúdo pirata, que hospeda mais de cem milhões de livros
(provavelmente aquele PDF que você nunca encontrou no Google está lá), e
que abriu suas portas para trabalhos acadêmicos em 2012 e agora contém
mais de 48 milhões de artigos científicos.
No entanto, a terceira etapa é a parte engenhosa do sistema: se
LibGen ainda não tiver uma cópia do documento, o Sci-Hub tem uma segunda
maneira de ignorar o pedido por pagamento da revista científica: o
compartilhamento de senhas. O site conta com uma rede global de
compartilhamentos de senhas e acessos a proxies de universidades que disponibilizam para seus estudantes o conteúdo aberto de algumas publicações científicas.
Isso permite que o Sci-Hub encaminhe o usuário direto para o PDF do
artigo que ele quer acessar, através de senhas ou proxies
universitários, editoras como JSTOR, Springer, Sage e Elsevier. Depois
de entregar o artigo para o usuário em questão de segundos, o Sci-Hub
doa uma cópia do documento para LibGen, sendo desnecessário acessar
novamente o site da universidade na próxima requisição, e o artigo fica
então armazenado para sempre, acessível por todos e qualquer um.
Problemas Legais
A popularidade do site atraiu a atenção das editoras de revistas
científicas e o caso foi parar na Justiça norte-americana. A cientista
cazaquistanesa foi processada pela editora Elsevier, que recorreu aos
tribunais para que a justiça obrigasse o fechamento do site, o que de fato aconteceu por alguns dias. No entanto, a jurisdição norte-americana só abarca sites com domínio .com, .net e .org. O site, criado por uma cazaquistanesa e hospedado na Rússia, ressurgiu no domínio .io e a jurisdição norte-americana pouco pode fazer com relação a isso.
Em entrevista ao portal Vox, Alexandra afirmou que é impossível que o
site saia do ar, mas alertou que a possibilidade de uma perseguição
maior das editoras e dos sistemas de justiça provavelmente a forçariam a
tirar o site de um domínio publicamente acessível, e colocar o site em
redes descentralizadas e anonimizadas, como o TOR (conhecidas
popularmente como deep web).
A cientista faz a distinção entre a questão científica e de materiais
acadêmicos e a questão da pirataria na indústria do entretenimento. “Todos os trabalhos no website são escritos por cientistas, que não recebem dinheiro pelo que a Elsevier cobra”,
Alexandra ainda invoca o artigo 27º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU, que institui que “todos têm o livre direito de
participar na vida cultural da comunidade, de desfrutar da arte e de
fazer parte do avanço científico e dos seus benefícios”.
As coisas estão mudando
Em 2008, Aaron Swartz escreveu o “
Guerilla Open Access Manifesto“,
e deu sua vida por essa causa. Alexandra, que se define como uma pirata
convicta, continua essa luta, mas não sozinha. A batalha contra as
editoras de acesso fechado está sendo encampada por cada vez mais
pesquisadores. Financiadores de pesquisa acadêmica como o
Wellcome Trust
estão se unindo a essa batalha, instituindo políticas de acesso aberto
que proíbem seus pesquisadores de publicar em revistas com acesso
fechado.
Mas nada disso ajuda os pesquisadores que precisam de acesso à
ciência que está fechada agora. Da sua parte, Alexandra não está
desistindo da luta, apesar da pressão legal crescente. Ela garante que o
Sci-Hub não vai parar suas atividades, e tem planos para expandir sua
base de dados.
O Sci-Hub pode representar, para a indústria da pesquisa acadêmica o
que o Napster representou para a indústria da música. A ciência deve
prosseguir cada vez mais livre, aberta e disponível. Os modelos de
negócio que quiserem seguir existindo, precisarão se alterar, se
atualizar, se modernizar.
O papagaio pirata está fora da gaiola, e se a Elsevier, JSTOR ou
outros paywalls de conteúdo científico pensam que podem colocá-lo de
volta, podem estar muito enganados.