Abril de 2003
1
- Introdução
Os
conselhos de fiscalização profissional foram criados pelo Govervo Federal, através
de leis específicas, possuindo, tais entidades, natureza jurídica de autarquia,
uma vez que detêm todas as características estabelecidas pelo Decreto-lei nº 200/67
para este tipo pessoa jurídica, ou seja, os referidos conselhos, como fora anteriormente
mencionado, são criados por lei federal, e possuem, ainda, personalidade jurídica
de direito público, capacidade de auto-administração, autonomia financeira, finalidade
específica e sujeição ao controle administrativo nos limites da lei.
Dentre
as suas várias fontes de custeio, certamente a que mais lhes rendem frutos são
as anuidades cobradas dos profissionais e demais pessoas jurídicas, inscritas
em seus respectivos registros.
Com
efeito, o presente estudo tem como objetivo demonstrar que a anuidade cobrada
pelos Conselhos Regionais de Administração das pessoas físicas e jurídicas, seja
com base em suas resoluções internas, ou com base no Decreto nº 61.934, de 22
de setembro de 1967, não encontram respaldo em nossa atual Carta Política de 1988,
razão esta pela qual entendemos que estas entidades de fiscalização profissional
devem interromper a cobrança das anuidades em foco, sob pena de estarem promovendo
o seu enriquecimento ilícito, bem como proceder a restituiçao do valores indevidamente
cobrados, corrigidos monetariamente.
2
- Origem do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Administração
Com o advento da Lei
no 4.769, de 09 de setembro de 1965, foram criados o Conselho
Federal de Técnicos de Administração e os respectivos Conselhos Regionais de Técnicos
de Administração, denominação esta que veio a ser modificada pela Lei nº 7.321,
de 13 de junho de 1985, que passou a denominá-los de Conselho Federal de Administração
e Conselhos Regionais de Administração, respectivamente.
Tais
conselhos regionais, dentre as muitas atribuições que lhes são legalmente designadas,
tem por finalidades básicas as de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício
da profissão de administrador, dentro da área de sua respectiva circunscrição.
Para
que tais entidades regionais desempenhem suas funções básicas, bem como cubram
os gastos necessários ao seu funcionamento, a lei que os criou estabeleceu que
suas rendas serão constituídas de:
a)
oitenta por cento da anuidade estabelecida pelo Conselho Federal e revalidada
trienalmente;
b) rendimentos
patrimoniais;
c) doações
e legados;
d) subvenções
e auxílios dos Governos Federal, Estaduais e Municipais, ou, ainda, de empresas
e, instituições particulares;
e)
provimento das multas aplicadas;
f)
rendas eventuais.
Todavia,
conforme será demonstrado ao longo do presente estudo, a anuidade estabelecida
pelo Conselho Federal, diferentemente das demais fontes de receita acima mencionadas,
estão sendo cobradas dos profissionais e empresas inscritas nos respectivos Conselhos
Regionais de Administração, sem a observância das regras constitucionais basilares
que regem o ordenamento jurídico pátrio.
3
- Da Real Natureza Jurídica da Anuidade Cobrada Pelos Conselhos de Fiscalização
Profissional
Da
análise da referida "anuidade", verifica-se que a mesma possui nítida
natureza jurídica tributária, uma vez que encontram-se plenamente configurados
todos os elementos constantes do artigo 3º, do Código Tributário Nacional, senão
vejamos.
Assim
dispõe o artigo 3º do CTN:
"Art.
3º - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela
se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei
e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."
Uma
vez demonstrado pelo dispositivo legal supracitado quais os elementos necessários
para que uma prestação seja considerada tributo, percebe-se a "anuidade"
em foco concentra todos estes elementos, conforme ficará minuciosamente explicitado
logo abaixo.
A
anuidade é uma prestação pecuniária, uma vez que é cobrada em dinheiro;
compulsória, pois o seu pagamento é obrigatório, e não voluntário;
em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, por ser tal prestação
pecuniária, ou seja, seu conteúdo é expresso em moeda, não se admitindo a sua
cobrança in natura, ou em bens diversos do dinheiro; que não constitua
sanção de ato ilícito, uma vez que sua hipótese de incidência é um ato
lícito, ou seja, que se coaduna com a lei, ao contrário da penalidade, que tem
um ato ilícito como hipótese de incidência; instituída em lei, por
ter sido criada através de lei, em decorrência do princípio da legalidade; e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada, uma vez que tais
conselhos não podem preencher com o seu juízo pessoal e subjetivo, o critério
de cobrar, ou não, esta exação, estando eles vinculados ao comandos legais.
Corroborando
este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
nº 273.674, posicionou-se no sentido de que as anuidades devidas aos conselhos
profissionais possuem natureza tributária, conforme denota-se da ementa abaixo
transcrita:
"TRIBUTÁRIO
– CONTRIBUIÇÕES PARA CATEGORIAS PROFISSIONAIS – NATUREZA JURÍDICA
1
– Doutrina e jurisprudência entendem ter natureza tributária, submetendo-se
às limitações das demais exações, as contribuições para os Conselhos Profissionais.
2
– Excepciona-se apenas a OAB, por força da sua finalidade constitucional
(art. 133).
3
– Recurso Especial improvido."
(DJ
do dia 27/05/02, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ)
Uma
vez demonstrada que a anuidade cobrada pelos Conselhos Regionais de Administração
possui natureza jurídica tributária, resta classificar a qual espécie tributária
esta exação pertence.
Ocorre,
porém, que antes de identificarmos a qual espécie tributária pertence a anuidade
em debate, mister se faz necessário apontarmos qual o fato gerador da respectiva
obrigação tributária, por entendermos ser essencial no deslinde da questão.
Tendo
o estudante concluído o curso superior de administração de empresas e, visando
exercer a profissão para o qual se preparou, procede ao registro no respectivo
conselho regional de sua região, surgindo, desta forma, a obrigatoriedade de pagar
a anuidade devida.
Desta
forma, podemos concluir que o fato gerador da anuidade cobrada pelos Conselhos
Regionais de Administração é o registro realizado pelo profissional, ou pessoa
jurídica, em seus cadastros, valendo ressaltar que este é o 1º fato gerador ocorrido,
sendo o mesmo renovado a cada ano, razão esta pela qual os conselhos procedem
a cobrança das anuidades de seus inscritos anualmente.
No
ordenamento jurídico pátrio, os tributos dividem-se em 5 espécies, a saber: impostos,
taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições sociais.
Segundo
o Código Tributário Nacional, "imposto é o tributo cuja obrigação tem por
fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica,
relativa ao contribuinte" (artigo 16).
Vemos,
portanto, que tendo em vista que o imposto independe de atividade estatal específica,
ou seja, é um tributo não vinculado, a anuidade em foco não se enquadra em sua
característica marcante.
De
acordo com a regra estabelecida pelo artigo 77, do Código Tributário Nacional,
bem como pelo artigo 145, II, da Constituição Federal, taxa é o tributo que tem
como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva
ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte.
Muito embora,
da análise da definição de taxa, verificamos que esta espécie tributária é vinculada
à uma atividade estatal específica, não podemos dizer que a anuidade devida aos
conselhos pertence a esta espécie tributária, uma vez que o seu fato gerador é
diverso.
A contribuição
de melhoria é o tributo que tem como fato gerador a valorização de imóveis decorrente
de obra pública, sendo, portanto, diverso o fato gerador da anuidade em debate.
Empréstimo
Compulsório, segundo o disposto no artigo 148, da Constituição Federal, é o tributo
de competência exclusiva da União Federal, que tem como fato gerador a necessidade
de se atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de
guerra externa ou sua iminência, bem como, no caso de investimento público de
caráter urgente e de relevante interesse nacional. Podemos observar que a exação
em foco não apresenta nenhuma semelhança com este tipo de tributo.
Inobstante,
as espécies tributárias acima apontadas não se identificarem com o fato gerador
da anuidade devida aos Conselhos Regionais de Administração, resta, ainda, analisarmos
se esta se enquadra nas características de contribuição social.
As
contribuições sociais são aquelas instituídas pela União Federal com fundamento
nos artigos 149 e 195 da Carta Magna. As do artigo 195 são denominadas contribuições
de seguridade social e caracterizam-se por serem o instrumento através do qual
a sociedade financia, diretamente e indiretamente, a seguridade social.
Por
sua vez, as contribuições previstas no artigo 149 dividem-se em contribuições
de intervenção no domínio econômico, que se caracterizam pela finalidade interventiva
específica; contribuição de iluminação pública, recentemente criada pela Emenda
Constitucional n. 39 – que, no nosso entender, configura-se como uma taxa
travestida de contribuição social -, e contribuições profissionais, as quais são
instituídas em favor de categorias profissionais ou econômicas.
Tendo
em vista que a anuidade devida aos Conselhos Regionais de Administração é instituída
em favor da categoria dos administradores, podemos concluir que tal exação possui
natureza jurídica de contribuição social profissional, sendo este o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça, do qual é exemplo o aresto abaixo colacionado:
"TRIBUTÁRIO
- CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - ANUIDADE DEVIDA A CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO DAS
ATIVIDADES PROFISSIONAIS - NATUREZA - FIXAÇÃO - EXIGÊNCIA DE LEI.
Compete
exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio
econômico e de interesses das categorias profissionais.
A
anuidade devida aos Conselhos Regionais que fiscalizam as categorias profissionais
tem natureza de contribuição social e só pode ser fixada por lei.
Recurso
improvido."
(RESP
225301/RS – Fonte DJ DATA:16/11/1999 PG:00197 – Relator Min. Garcia
Vieira - Data da Decisão: 07/10/1999 - Órgão Julgador: Primeira Turma)
Inobstante
termos identificado que a anuidade em exame possui natureza jurídica de contribuição
social de interesse de categoria profissional e econômica, convém, aqui destacarmos
que grande parte da doutrina, ao utilizar o método de classificação de tributos
quanto às suas funções, que podem ser fiscais (quando seu objetivo é a arrecadação
de recursos financeiros para o Estado), extrafiscais (quando seu objetivo é diverso
da simples arrecadação de recursos financeiros para o Estado), e parafiscais (quando
o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades desenvolvidas
por entidades específicas, que não integram funções próprias do Estado), classifica
a referida anuidade como contribuição parafiscal, havendo grande controvérsia
acerca da natureza jurídica tributária deste tipo de exação, uma vez que, para
alguns doutrinadores, tributo é o instrumento de transferência de recursos financeiros
do setor privado para o Estado.
Com
a devida vênia das opiniões em sentido contrário, entendemos que as contribuições
parafiscais, apesar de serem excluídas do orçamento público, e de terem aplicação
sobre certos fins específicos, não há nenhuma adesão voluntária ao organismo paraestatal,
mas imposição exigida por lei e fixada pelo Estado unilateralmente, caracterizando-se,
desta forma, como tributo.
As
anuidades cobradas pelos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas
são prestações pecuniárias compulsórias, não se constituem sanções de ato ilícito,
são instituídas por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada. Ser parafiscal não significa ser paratributária. Portanto, as contribuições
parafiscais são tributos. A propósito, ensina o saudoso Geraldo Ataliba:
"São
tributos parafiscais aqueles criados (evidentemente por lei) para certas pessoas
diversas do estado e arrecadados por elas próprias. Estas pessoas podem ser públicas
autárquicas – meramente administrativas, como as designa, com rigor, Ruy
Cirne Lima – ou mesmo privadas, desde que com finalidades de utilidade pública."
(Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Editora Malheiros, 2002, pág. 189)
E
prossegue o citado mestre, ao afirmar com clareza que:
"São
tributos parafiscais as taxas de pedágio das autarquias ou entidades rodoviárias,
a taxa de esgoto das autarquias ou empresas estatais que prestem tais serviços,
as taxas cobradas pelas autarquias, os tributos destinados ao IAPAS, ao SESC,
ao SENAC, ao SENAI, ao SESI, ao INCRA, à OAB, ao CREA, etc."
Vale
destacar que o Supremo Tribunal Federal já consagrou tal entendimento, quando,
no julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284, determinou o caráter tributário
das contribuições parafiscais.
No
mesmo sentido, observando-se o artigo 4º, do Código Tributário Nacional, nota-se
que a natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva
obrigação, sendo irrelevantes a denominação conferida ao tributo, bem como a destinação
da receita da arrecadação. Analisando-se os fatos geradores das contribuições
parafiscais, conclui-se que elas são tributos.
Assim
sendo, pode-se concluir que a anuidade cobrada pelos Conselhos Regionais de Administração
são contribuições sociais de interesse de categoria profissional, insculpidas
no artigo 149, da Constituição Federal de 1988, e sujeitas, portanto, ao regime
tributário.
4
- Da Impossibilidade de Fixação do Valor da Anuidade por Meio de Resolução do
Conselho Federal de Administração – Ofensa ao Princípio da Legalidade Tributária
e ao Art. 149, CF/88
O
Governo Federal, contrariando as regras estabelecidas pelo legislador constituinte,
promulgou a Lei nº 9.649, de 22 de maio de 1998, que no seu artigo 58, parágrafo
4º, autoriza os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a fixarem
o valor das anuidades a eles devidas.
Assim
dispõe o mencionado dispositivo legal:
"Art.58
- Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidas em
caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
(...)
§
4º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a
fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou
jurídica, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias,
considerando-se título executivo extrajudicial e certidão relativa aos créditos
decorrentes."
Desta
forma, consubstanciado neste permissivo legal, o Conselho Federal de Administração
editou uma resolução normativa, fixando os valores da
anuidade devidas por pessoas físicas e jurídicas, valendo ressaltar que, a cada
ano esta resolução é revogada por uma outra, que fixa novos valores. Atualmente,
a anuidade devida por pessoas físicas e jurídicas é cobrada com base na Resolução
Normativa CFA n.º 271, de 11 de dezembro de 2002.
Contudo,
subsiste em nosso ordenamente jurídico o princípio da legalidade tributária, constitucionalmente
previsto no artigo 150, I, pelo qual tem-se a garantia de que nenhum tributo poderá
ser instituído, nem aumentado, a não ser através de lei, em sentido estrito, sendo
plenamente aplicável à anuidade em exame, uma vez que esta, como fora minuciosamente
demonstrado no item anterior, possui natureza jurídica tributária.
O
princípio da legalidade surgiu como garantia do Estado Democrático de Direito,
onde ninguém está obrigado a fazer, ou deixar de fazer coisa alguma, senão em
virtude de lei "válida".
Sendo
a lei a legítima manisfetação de vontade do povo, através de seus representantes
eleitos no Congresso Nacional, pode-se dizer que a instituição de um novo tributo,
por meio de uma nova lei, foi consentida pelo povo.
Entretanto,
não sendo resolução normativa de um conselho, manisfetação de vontade popular,
configurando-se, desta forma, como um instrumento legal inapropriado para a instituição
de tributos, tal anuidade não pode subsistir em nosso ordenamento jurídico.
Neste
sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu
pela impossibilidade de majoração do valor das anuidades, cuja sistemática é a
mesma da instituição da cobrança, através de resolução, dos quais são exemplos
os arestos abaixo colacionados:
"AÇÃO
DECLARATÓRIA. ANUIDADE DO CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM. LEGITIMIDADE PASSIVA.
MAJORAÇÃO PELA RESOLUÇÃO 06/91 DO COFEN. LEI 6.994/82. ILEGALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE.
(...)
3.
Inconstitucionalidade da majoração da anuidade por meio de resolução do Conselho,
mesmo que por atribuição da lei. A anuidade cobrada tem natureza tributária, e,
portanto, só pode ser instituída ou majorada por meio de lei. Precedentes da Turma."
(Tribunal
Regional Federal da Quarta Região - Apelação Cível nº 9604068350 – Órgão
Julgador: Segunda Turma - DJ data:20/10/1999 – Relator Juiz Heraldo Garcia
Vitta)
* *
* * *
"ADMINISTRATIVO
– CRC – ANUIDADE - MAJORAÇÃO ATRAVÉS DE RESOLUÇÃO - LESÃO À ECONOMIA
PÚBLICA - INTERESSE PRIVADO APOIADO EM PRECEITO CONSTITUCIONAL.
1.
Havendo majoração de tributo prima facie, não pode a autarquia impô-la, a mingua
de lei, através de resolução, tão somente;"
(...)
(Tribunal
Regional Federal da Quarta Região - Suspensão de Segurança nº 9104102630 –
Órgão Julgador: Plenário - DJ data: 28/08/1991 – Relator Acórdão Juiz Doria
Furquim)
Não
obstante, demonstrarmos que a fixação do valor da anuidade por intermédio de resolução
normativa, é totalmente inconstitucional, tendo em vista o princípio da legalidade
tributária, entendemos, ainda, que tal conduta ofende, também, o artigo 149, da
Constituição Federal, o qual estabelece:
"Art.
149 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção
no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas,
como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos
arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no ad. 195, § 6º, relativamente
às contribuições a que alude o dispositivo."
Da
leitura do artigo supra, vemos que somente a União Federal poderá instituir a
cobrança de contribuições sociais de interesse de categorias profissionais, entendimento
firmado, também, pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
nº 225.301, razão esta pela qual podemos afirmar que a Resolução Normativa CFA
n.º 271, de 11 de dezembro de 2002, do Conselho Federal de Administração, já nasceu
coberta pelo manto da inconstitucionalidade, uma vez que esta usurpa a competência
exclusiva do ente político federal para a instituição de contribuições sociais.
Cabe
ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 1.717, em confirmando a liminar concedida nos autos da Medida Cautelar desta
ação, veio a declarar a inconstitucionalidade do artigo 58, caput, e dos parágrafos
1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da Lei nº 9.649/98, revogando, desta forma, a malfadada
autorização legislativa concedida pelo Governo Federal aos conselhos de fiscalização
profissional, para instituírem a cobrança de anuidade das pessoas físicas e jurídicas.
No
mencionado julgamento, o STF disse que "a interpretação conjugada dos artigos
5º, XIII; 22, XVI; 21, XXIV; 70, parágrafo único; 149 e 175 da Constituição Federal,
leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade
típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no
que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas".
5
- Da Não-Recepção da Legislação Instituidora da Anuidade em Foco – Ofensa
ao Art. 7, IV, CF/88 – Impossibilidade de Vinculação ao Salário Mínimo
Uma vez demonstrado que
o Conselho Federal de Administração não pode estabelecer o valor da anuidade devida
por pessoas físicas e jurídicas por meio de resolução normativa, tendo em vista
que tal conduta violaria os artigos 149 e 150, I, da Constituição Federal, tendo,
inclusive, o Supremo Tribunal Federal firmado posição sobre o assunto, subsiste,
ainda, a possibilidade de que a legislação criadora do referido conselho tenha
instituído a cobrança da anuidade em foco.
Ocorre,
porém, que como demonstraremos a seguir, a mencionada legislação instituidora
deste tipo de serviços de fiscalização profissional, a qual atribuiu a estas entidades
a responsabilidade de cobrar anuidades de modo a perceber renda e, desta forma,
fazer frente aos seus gastos, não encontra respaldo no texto constitucional, sendo,
portanto, indevida a sua cobrança.
A
anuidade devida por pessoas físicas e jurídicas aos Conselhos Regionais de Administração
encontra-se legalmente prevista nos artigos 47 e 48, do Decreto nº 61.934/67,
os quais dispõem, respectivamente:
"Art
47 - O profissional registrado é obrigado a pagar, ao respectivo Conselho Regional
de Técnicos de Administração, uma anuidade de vinte por cento (20%) do salário-mínimo
vigente em Brasília, Distrito Federal, no mês de janeiro de cada ano.
Art
48 - As empresas, entidades, Institutos e escritórios de que trata este Regulamento
são sujeitos, para funcionarem legalmente, ao pagamento de anuidade correspondente
a 5 (cinco) salários-mínimos vigentes em Brasília, Distrito Federal, no mês de
janeiro de cada ano."
Inicialmente,
pode parecer que a cobrança da anuidade, com base no Decreto nº 61.934/67 seria
inconstitucional, eis que estaria violando o princípio da legalidade tributária.
Contudo,
tal entendimento não merece prosperar, tendo em vista que inexiste em nosso ordenamento
jurídico a figura da inconstitucionalidade formal superveniente, ou seja, a atual
Carta da República não revogará as normas anteriores a ela, que inobservaram o
procedimento legislativo previsto para determinada espécie normativa.
Portanto,
tendo a Constituição de 1988 estabelecido que a instituição de tributos somente
poderá ser feita mediante lei, strictu sensu, esta regra não se aplica
aos tributos criados na vigência da ordem constitucional anterior, tendo em vista
a inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente, como fora anteriormente
exposto, razão esta pela qual podemos afirmar que o Decreto nº 61.934/67, não
viola o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, I, CF/88.
Entretanto,
como se depreende da leitura do dispositivo legal acima mencionado, tal anuidade
tem o seu valor vinculado ao salário mínimo vigente no País, o que, no nosso entendimento,
confronta o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, in verbis:
"Art.
7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
(...)
IV
- salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a
suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação
para qualquer fim;"
Com
o advento de uma nova Constituição, as normas tributárias, bem como as demais
normas jurídicas, anteriores a esta, não são revogadas de imediato. As normas
que se enquadrarem dentro do novo sistema constitucional, serão recepcionadas
por este, ao passo em que as normas que se confrontarem com este, serão revogadas,
ou seja, não serão recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional pátrio,
conforme estabelece a regra contida no art. 34, parágrafo 5º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, valendo transcrever o citado dispositivo legal para
melhor compreensão do tema:
"Art.
34 – O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro
dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então,
o da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas
posteriores.
(...)
Parágrafo
5 – Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação
da legislação anterior, no que não seja imcompatível com ele e com a legislação
referida nos parágrafos 3 e 4."
Na
presente hipótese, a legislação que regulamenta a cobrança da anuidade por parte
dos Conselhos Regionais de Administração - Decreto nº 61.934/67, em seus artigos
47 e 48, – é anterior à Constituição Federal de 1988, de modo que os seus
dispositivos que se harmonizarem com a nova Carta da República serão recepcionados
por esta, e a contrario senso, os que não se coadunam a esta, serão revogados
de imediato.
Ao
vincular o valor da anuidade ao salário mínimo vigente no País, os dispositivos
legais supracitados, não foram recepcionados pela nossa atual Carta Política,
uma vez que o seu artigo 7º, inciso IV, veda, expressamente, a vinculação do salário
mínimo a qualquer fim, excetuando-se, tão somente, alguns pontos, a saber: alimentação,
moradia, saúde, vestuário, educação, higiene, transporte, lazer e previdência
social.
Cabe
ressaltar que o salário mínimo foi criado pelo Governo Federal com a finalidade
de garantir que todos os trabalhadores assalariados não poderiam ganhar menos
do que o mínimo indispensável à sua subsistência.
Segundo
o artigo 76, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, "salário
mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a
todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia
normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país,
às suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte".
Portanto,
utilizar o salário mínimo como instrumento de indexação de tributos, muito embora
seja prático, configuraria desvirtuação de sua finalidade, uma vez que este foi
instituído para garantir que os trabalhadores perceberiam renda capaz de atender
as suas necessidades vitais básicas e às de sua família.
Denote-se,
por oportuno, que inúmeras são as manifestações doutrinárias em nosso ordenamento
jurídico que compartilham deste mesmo entendimento, dos quais são exemplos as
abaixo citadas:
CELSO
RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – Comentários à Constituição
do Brasil, 2º volume, Editora Saraiva, 1989, pg. 424.
"Inicialmente
chamado salário mínimo, o Decreto nº 2.351 alterou sua denominação para piso nacional
de salários.
A
Constituição de 1988 volta ao nome antigo, pelo qual de resto, é conhecido na
quase totalidade do mundo.
A
razão desta variação terminológica prende-se ao propósito do legislador em retirar
do salário mínimo o papel de coeficiente para indexação da moeda. No correr dos
tempos foi-se adotando a prática de se vincularem certos preços e mesmo outros
salários ao salário mínimo, de tal sorte que qualquer cogitação do aumento deste
causava o temor de um aumento generalizado dos preços. É por isso que, embora
se tenha voltado a denominação antiga, a desvinculação do salário-mínimo de outros
preços e salários continua de pé."
*
* * * *
JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR - Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária, 1ª
Edição, 1989, pg. 931.
"A
regra jurídica constitucional determina ao legislador ordinário federal, taxativamente,
e não exemplificativamente, que o salário mínimo, nacionalmente unificado, capaz
de atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família deverá abranger,
só e só, o que está no texto. Nem mais, nem menos, sendo nove, que são também,
nove, mas pelo conteúdo diferentes, em alguns pontos: (1) alimentação, (2) moradia,
(3) saúde, (4) vestuário, (5) educação, (6) higiene, (7) transporte, (8) lazer,
(9) previdência social. Estes nove pontos são o fim a que se acha vinculado o
salário mínimo. Vinculação a outro fim é "desvio de finalidade", "desvio
de destino", distorção que o salário deve cobrir. A regra jurídica constitucional
é dirigida ao legislador federal que, durante todo o processo legislativo, cuidará
para que o princípio da vinculação salarial seja obedecido."
Corroborando
este entendimento, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou reiteradamente
sobre a vedação da vinculação ao salário mínimo para qualquer fim, conforme se
percebe da leitura dos arestos abaixo colacionados:
"A
vedação da vinculação do salário mínimo, constante do inciso IV do art. 7º da
Carta Federal, visa a impedir a utilização do referido parâmetro como fator de
indexação para obrigações sem conteúdo salarial ou alimentar. Entretanto, não
pode abranger as hipóteses em que o objeto da prestação, expressa em salários
mínimos, tem a finalidade de atender às mesmas garantias que a parte inicial do
inciso concede ao trabalhador e à sua família, presumivelmente capazes de suprir
as necessidades vitais básicas" (STF, RTJ 151/653).
*
* * * *
"Deferida
medida cautelar para suspender a eficácia da LC nº 66/95 do Estado do Espírito
Santo que, acrescentando o § 4º ao art. 15 da Lei do Regime Jurídico Único dos
Servidores do Estado, estabelece que "a inscrição para concurso público destinado
ao provimento de cargos nos órgãos da administração direta, indireta ou fundacional
do Estado do Espírito Santo, não terá custo superior a vinte por cento do salário
mínimo e será gratuito para quem esteja desempregado ou não possuir renda familiar
a dois salários mínimos, comprovadamente." O Tribunal considerou juridicamente
relevante as argüições de inconstitucionalidade formal e material da referida
Lei suscitadas pelo autor – Governador do Estado do Espírito Santo -, por
aparente ofensa à reserva de iniciativa do Poder Executivo para lei que dispunha
sobre funcionalismo público (CF, art. 61, § 1º, II, "c") e por vinculação
da taxa de inscrição em concurso público ao salário mínimo (CF, art. 7º, IV).
Precedentes citados: Adin nº 430-MS (RTJ 159/735), Adin 522-PR (RTJ 137/1085).
AdinMc 1.568-ES, Relator Min. Carlos Velloso, 26/05/97 – informativo STF
nº 73"
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"SALÁRIO
MÍNIMO – VINCULAÇÃO PROIBIDA. A teor do disposto no inciso IV do artigo 7º
da Constituição Federal, tem-se como proibida a adoção do salário mínimo como
unidade monetária, ou seja, visando a adoção de fator de indexação." (AG.
nº 177.959-4 – Rel. Min. Marco Aurélio, informativo do STF nº 72 – DJ
de 23/05/97)
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"Ofende
o art. 7º, IV, da CF – que veda a vinculação do salário mínimo para qualquer
fim – acórdão que reconhece a pensionista do Estado o direito de que sua
pensão continue a ser calculada em número de salários mínimos. Afirmando a inexistência
de direito adquirido contra a Constituição, a turma conheceu e deu provimento
a recurso extraordinário interposto pelo Estado de Goiás. RE 141.385-GO, Relator
Min. Francisco Rezek, 13/08/96." (informativo STF nº 40)
Desta
forma, não resta dúvida em se afirmar que os dispositivos legais regulamentadores
da anuidade devida por pessoas físicas e jurídicas aos Conselhos Regionais de
Administração não foram recepcionados pela Carta Constitucional de 1988, por ofensa
ao seu art. 7º, IV.
Portanto,
uma vez que o mencionado dispositivo legal não foi recepcionado pela atual Carta
Magna, inexiste previsão legal para a cobrança de anuidades por parte dos Conselhos
Regionais de Administração, sendo sua cobrança, portanto, uma afronta ao princípio
da legalidade genérica (art. 5º, II, CF/88).
6
- Conclusão
Portanto,
como se verifica da leitura e análise de todos os aspectos abordados ao longo
do presente trabalho, podemos concluir que a anuidade cobrada pelos Conselhos
Regionais de Administração possui nítida natureza jurídica tributária, uma vez
que concentra todos os elementos caracterizadores de tributos, enquadrando-se
na espécie tributária de contribuição social de interesse de categorias profissionais,
devendo, portanto, se sujeitar às limitações constitucionais ao poder estatal
de tributar e aos demais dispositivos legais inseridos na atual Carta Política
Brasileira.
Sendo
a anuidade em exame verdadeiro tributo pertencente à espécie contribuição social
de interesse de categorias profissionais, não pode a mesma ser cobrada com base
na Resolução Normativa CFA n.º 271, de 11 de dezembro de 2002, do Conselho Federal
de Administração, uma vez que estaria infringindo o princípio da legalidade tributária,
constitucionalmente previsto no art. 150, I, CF, bem como o art. 149, CF, que
estabelece a competência exclusiva da União Federal para instituir a cobrança
de contribuições sociais.
Denote-se
ainda que não obstante termos demonstrado que a anuidade não pode ser cobrada
com base na referida resolução do Conselho Federal de Administração, posicionamos,
também, no sentido da impossibilidade de sua cobrança fulcrada no Decreto nº 61.934/67,
uma vez que este diploma legal vincula o valor da anuidade ao salário mínimo vigente
no país, sendo certo que o mandamento constitucional exposto no art. 7º, IV, CF,
veda tal prática.
Desta
forma, verifica-se que atualmente a anuidade cobrada pelos Conselhos Regionais
de Administração é desprovida de qualquer fundamento legal válido que possibilite
a sua cobrança, razão esta pela qual o Governo Federal, deve editar uma nova lei,
estabelecendo os elementos necessários a sua cobrança (alíquota, base de cálculo,
fato gerador, sujeito ativo e passivo), pois, do jeito que está, os conselhos
regionais, bem como o conselho federal, deverão manter-se com as suas outras fontes
de receitas legalmente estabelecidas.