quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Contestação à NotaTécnica da ABRASCO sobre a liberação comercial e uso do mosquito transgênico Aedes aegypti para o controle da dengue no Brasil

No portal oficial da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) há uma nota técnica desta Associação sobre a forma como foram avaliados os riscos das liberações planejada e comercial da variedade OX513A transgênica de Aedes aegypti, o vetor da dengue, pela CTNBio e sobre seu eventual uso como mais uma ferramenta no combate à dengue no Brasil.
 
A manifestação contem muitos erros de informação e de interpretação, alguns leves e outros muito graves, que necessitam ser apontados ao público, o que é feito a seguir de forma discriminada.
 
a) sobre a construção desta variedade transgênica, a ABRASCO demonstra parco conhecimento, quando diz que foi utilizada “a tetraciclina para a modificação das larvas selvagens”. É disparatada a afirmação, uma vez que a modificação genética é complexa e não emprega a tetraciclina. Este antibiótico é empregado para manter viva a linhagem geneticamente modificada em laboratório, apenas isso.
 
b) Logo em seguida a ABRASCO afirma que “mesmo sem ter a autorização da CTNBio para a produção em escala do mosquito transgênico, a empresa disponibilizou o Aedes aegypti transgênico desde 2011”. Isso é inteiramente falso: a biofábrica Moscamed e a USP, parceiras da Oxitec, solicitaram e obtiveram da CTNBio a aprovação para ensaios a campo (liberação planejada) da variedade GM de A. aegypti.
 
c) Na frase seguinte, novo erro de informação: a ABRASCO diz que os experimentos foram feitos “inicialmente na cidade de Jacobina e posteriormente em Juazeiro”. É exatamente o oposto, mas a confusão parece proposital, uma vez que mais adiante a ABRASCO se debruça sobre a questão da dengue em Jacobina, procurando ligar os experimentos de liberação planejada com o surto presente de dengue naquela cidade.
 
d) a ABRASCO afirma que “apesar do uso por  anos de mosquito transgênico na  cidade de Jacobina, ...a prefeitura prorrogou a situação de emergência para  dengue”, como se a liberação planejada tivesse o objetivo e o poder de controlar a dengue na cidade toda. Não é nada disso: a liberação tinha o objetivo de gerar dados para avaliação de risco do OGM, e não controlar a dengue, e foi feita em alguns bairros da cidade, mas de forma alguma na cidade toda. Esta confusão, iniciada pela AS-PTA e repetida aqui pela ABRASCO, é nociva ao entendimento da questão e prejudica a saúde púbica do país confundindo o público sobre a eficiência de uma tecnologia que só poderá ser ensaiada, efetivamente, em larga escala. O que foi feito até agora foi gerar dados para avaliação de risco, nada mais.
 
e) Um pouco mais abaixo no manifesto a ABRASCO se pergunta “como se aceita fazer experimentos que afetam uma doença de notificação compulsória em um contexto sanitário absolutamente sem controle? Como os resultados de experimentos com mosquito transgênico para controle da dengue  em Jacobina  foram utilizados para validar a decisão da CTNBio que autorizou a liberação de mosquito transgênico para o controle de dengue?”Ora, as liberações em Juazeiro e depois em Jacobina foram de pequena escala, com um objetivo bastante específico, em áreas previamente avaliadas por pesquisadores da USP, pela Oxitec e pela Moscamed, avaliadas previamente pela CTNBio, aprovadas e monitoradas. Como a ABRASCO se acha no direito de dizer que o contexto sanitário era absolutamente sem controle se ela jamais se debruçou sobre o problema? Não cabe aqui uma explicação detalhada de como os dados de biossegurança gerados nos dois experimentos foram empregados pela CTNBio, isso pode ser lido nos pareceres dos relatores e no parecer final, disponibilizados pela CTNBio e no portal da Biosafety Clearing House da Convenção de Biodiversidade.
 
e) Num certo ponto, a ABRASCO se questiona do apoio financeiro recebido pela Oxitec, como se receber dinheiro de fundações filantrópicas fosse crime: A Fundação Bill e Melida Gates apoio inicialmente os pesquisadores que fundaram a Oxitec, o que apenas mostra que eles tinham merecimento e que a ideia era inovadora e promissora. Mas estes recursos nada têm a ver com as atividades da empresa no Brasil. A desconfiança mórbida sobre a forma como a pesquisa e o desenvolvimento são financiados é uma característica de certos setores da sociedade na qual se inserem, infelizmente, alguns conselheiros da ABRASCO.
 
f)  O uso de mosquitos transgênicos para o controle da dengue, em associação com as demais formas de combate a esta endemia, evidentemente não está ainda normatizado no país. É isso que se deve buscar agora, e não uma oposição cega e teimosa a novas tecnologias, apenas porque usam a biotecnologia moderna.
 
g)  Por fim a ABRASCO imagina que se deve ter muito cuidado em eliminar o A. aegytpi por que o A. albopictus pode invadir os nichos deixados livres. Ora, isso nunca ocorreu em outras partes e é improvável, pela biologia do A. albopictus, que a ABRSCO parece totalmente desconhecer. Analogamente, é como pedir ao um caçador numa trilha na selva, com um leão faminto e feroz à sua frente, que não atire, porque atrás do leão pode haver um tigre, que não está visível e não se sabe se está com fome...
 
Uma lástima que a ABRSCO se comporte agora como os políticos positivistas se comportaram na época de Oswaldo Cruz, longe da ciência e perto demais de uma ideologia que beira o irresponsável
Fonte

Nota Técnica da Abrasco frente à liberação comercial de mosquitos transgênicos pela CTNBio

19 de setembro de 2014 - Por Comunicação Abrasco

Associação posiciona-se sobre o uso de mosquitos geneticamente modificados

Produção de mosquitos transgênicos da empresa empresa inglesa de biotecnologia Oxitec, sediada em Campinas - Foto: Reprodução Internet


A Associação Brasileira de Saúde Coletiva recebeu com grande preocupação a cópia da transcrição da 171ª Reunião Ordinária da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –  CTNBio – de 03/05/2014 em que autoriza a liberação comercial de mosquitos transgênicos.
 
As decisão da CTNBio ocorreu no contexto em que uma fábrica de produção de mosquitos transgênicos já estava instalada na  cidade de Campinas – SP. Os mosquitos transgênicos serão usados para pesquisa e combate ao  vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti, no país.
 
A responsável pela produção é empresa inglesa de biotecnologia Oxitec. A instalação da fábrica de mosquito  começou em 2013. A equipe técnica é formada basicamente por especialistas estrangeiros, que na Europa desenvolvem biotecnologias adotadas pela indústria farmacêutica para a malária e febre amarela.
A unidade produtiva (Technopark) da Oxitec, em Campinas produz em laboratório mosquitos machos de Aedes aegypti geneticamente modificados (linhagem OX513A), mediante a utilização de tetraciclina usada para a modificação das larvas selvagens.
 
Mesmo sem ter a autorização da CTNBio para a produção em escala do mosquito transgênico, a empresa disponibilizou o Aedes aegypti transgênico desde 2011,  para experimentos inicialmente na cidade de Jacobina e posteriormente em Juazeiro, ambas do Estado da Bahia e que contou com o apoio do governo do estado e das prefeituras dos respectivos municípios. As pesquisas foram apoiadas por organização social denominada Moscamed.
 
Os experimentos foram executados nessas duas cidades, considerados como projetos específicos e isolados.   A proposta é que cada cidade brasileira poderá montar sua fábrica de ovos transgênicos. Após os testes nessas duas cidades, a Oxitec protocolou a solicitação de liberação comercial na CTNBio.
 
Apesar do uso por  dois anos de mosquito transgênico na  cidade de Jacobina, Bahia, o Decreto Nº 089 de 10 de Fevereiro de 2014,  pela  prefeitura Municipal de Jacobina (D.O. Terça-feira • 18 de Fevereiro de 2014 • Ano IX • Nº 798) prorrogou a situação de emergência para  dengue no Município. Para fundamentar esse decreto o Prefeito da cidade considerou: “que Jacobina é endêmico para a dengue e conta em sua série histórica duas epidemias de dengue registradas nos anos de 2009 e 2012; que no ano de 2012 o Município não realizou os trabalhos de campo de forma adequada, registrando 1708 casos suspeitos e inclusive a ocorrência de dois óbitos; que as ações empreendidas em 2013 com o trabalho de campo, ainda não encerrou a cadeia epidemiológica, devendo a municipalidade em ação continuar a manter o controle antes do período de início de atividade do mosquito Aedes aegypti; que os casos de dengue se concentram principalmente no primeiro semestre do ano, com pico no mês de abril, conforme perfis de sazonalidade do mosquito Aedes aegypti observadas no país, e que para encerrar a cadeia epidemiológica é necessário iniciar as atividades de controle antes desse período de maior atividade do mosquito; que as ações em 2014 são planejadas e realizadas de modo a tentar conter uma nova epidemia, buscando proteger a população, investindo em ações de prevenção, combate”. (http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Decreto-Jacobina2014.pdf).
 
Perguntamos, como se aceita fazer experimentos que afetam uma doença de notificação compulsória em um contexto sanitário absolutamente sem controle? Como os resultados de experimentos com mosquito transgênico para controle da dengue  em Jacobina  foram utilizados para validar a decisão da CTNBio que autorizou a liberação de mosquito transgênico para o controle de dengue?
 
Sabemos que não houve ainda posicionamento e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa - sobre a produção, venda e uso desses mosquitos transgênicos.  Mas,  como fica  a situação da fábrica de mosquitos que está propagandeando esse produto em Prefeituras  Municipais para que comprem milhões de mosquitos  transgênicos a serem liberados  semanalmente em seus territórios?
 
Essas pesquisas com mosquitos transgênicos foram apoiadas pela Fundação Bill Gates, que abriu edital internacional em 2004, para o qual concorreram diversas universidades. Sobre esse tema o Gt de Saúde e  Ambiente da Abrasco já alertava em Carta ao Editor da Revista Científica Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz- sobre “Os verdadeiros desafios da saúde global” (GOUVEIA; LIEBER; AUGUSTO, 2004).
 
O controle da endemia e dos surtos epidêmicos de dengue seguem protocolos da Secretaria de Vigilância em Saúde , do Ministério da Saúde – SVS/MS – e orientação internacional da Organização Pan-americana de Saúde – OPAS. A despeito das controvérsias sobre a eficácia dos sucessivos programas de controle vetorial da dengue no Brasil,  até o momento não houve nenhuma norma técnica desses órgãos orientando mudanças no programa de controle vetorial da dengue incluindo a modalidade trangênica. Sobre uma perspectiva crítica do controle vetorialpara dengue é possível ler outro alerta feito por pesquisadores na mesma revista (AUGUSTO et al, 1998) e também,  entre outros, no livro de  Augusto e Colaboradores (2004), onde diversos entomologistas se posicionaram. A questão da dengue é complexa e vai para além de medidas focais. O Brasil, nas últimas duas décadas,  deixou de ser um país epidêmico para dengue, para ser endêmico em todo território nacional.
 
A doença dengue é uma virose, na qual estão implicados, no Brasil, os quatro sorotipos do virus. Embora, considerada de baixa letalidade, as dificuldades no acesso à assistência médica, a baixa resolutividade dos serviços de saúde, os equívocos de orientação e insuficiências de medidas sanitárias, faz com que nesse contexto, as complicações da infecção pelo virus do dengue se tornam mais frequente, mais grave e a mortalidade da dengue maior no país. A complicação mais preocupante tem sido a Febre Hemorrágica, mas que não é necessariamente letal, quando há atendimento médico correto.
 
Mais uma vez, a decisão de controlar essa endemia, apenas focando no vetor, é um equívoco. Pois, a determinação da dengue é muito mais social e ambiental do que biológica, embora estejam envolvidas na sua produção três ecologias: do virus, do vetor e do ser humano, todas interdependentes.
 
Analisando a Ata da 171ª Reunião Ordinária da CTNBio acima referida foram observados diversos elementos com  análise inadequada ou com  questões sem resposta técnica suficiente. Também se observa argumentos pouco consistentes por parte do representante da saúde nessa comissão, de quem se esperaria maior compromisso com os aspectos sanitários envolvidos.
 
Abaixo apenas alguns destaques para ilustrar como esse  assunto,  de tamanha importância para a saúde pública, foi tratado na CTNBio:
 
1) Dados Insuficientes: Os dados preliminares dos testes realizados nas cidades de Jacobina e Juazeiro, do estado da Bahia, “são  insuficientes para um posicionamento consistente de qualquer órgão de pesquisa, muito mais, para a CTNBio” (posicionamento de um dos conselheiros, Linha 180).  Um conselheiro indagou: “Que motivos justificariam a aceitação precipitada de resultados preliminares com antecipação da avaliação pela CTNBio” …, “contrariando a prática até então utilizada recomendada por esta própria Comissão?” (Linha 197). Os dados preliminares foram colhidos em três municípios do interior do país. “Foram somente realizados três estudos de caso — liberações em Caiman, Juazeiro e Mandacaru, Bahia”… “anos de 2012 e 2013”.  Esses  municípios possuem sistemas de vigilância epidemiológica incipientes e com “pouca sensibilidade no registro de casos da doença e da análise médica de alguma intercorrência da doença durante e depois da liberação planejada do organismo modificado. Portanto, não é possível aferir uma alta eficácia dessa biotecnologia, nem muito menos extrapolar esses resultados para uma escala planetária, como sugere o relatório da empresa” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 174 e 177). Destacou-se também outro aspecto: “A ocupação do nicho ecológico preferencial do Aedes Aegypti nas áreas urbanas não mereceu suficiente atenção por parte do dossiê ou dos demais pareceristas” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 297).
 
2) Rapidez no processo:  O  “tratamento concedido pela CTNBio a esse caso, se distingue pela excepcionalidade”.  Foi protocolado em três de julho de 2013 e publicado no dia 15 de julho de 2013, recebendo pareceres favoráveis dos relatores nas Subcomissões Humana e Animal, aprovada em fevereiro de 2014 e nas Subcomissões Vegetal e Ambiental.  Um dos conselheiros considera este fato indício de prevaricação, pois “ainda na fase de avaliação do processo, na Subcomissão Humana e Animal, Saúde Humana e Animal, de forma não protocolada e inesperada, registrou-se a intervenção do representante da proponente que realizou exposição do mérito da biotecnologia, confundindo-se com uma espécie de marketing institucional. O impacto dessa concessão, no que diz respeito à isonomia de tratamento com as outras biotecnologia e empresas não deve ser desprezado” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 163, 186, 204 e 216).
 
3) Ausência de dispositivo de biossegurança: A liberação planejada é um dispositivo de biossegurança imprescindível. A Resolução Normativa Nº 6, de 6 de novembro de 2008, que dispõe sobre as normas para esse processo no meio ambiente de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), somente trata de organismos de origem vegetal e seus derivados.  No entanto, essas normas não são adequadas para avaliação de insetos (posicionamento de um dos conselheiros, Linha 188).  Sabe-se que  liberação planejada deve ser testada em todos os ecossistemas relevantes para a avaliação de risco e até o final.  Por exemplo, no caso do Milho D5, a  Justiça suspendeu a decisão  de sua produção e comercialização, com base no argumento que não foram realizados os estudos nos biomas do Norte e Nordeste, proibindo-se o cultivo naquelas regiões.
 
4) Falta análise entomológica e epidemiológica: O fato do Aedes aegypti ter sido considerado erradicado no Brasil na década de 70,  e que hoje se faz  presente em todo o território nacional, em que pese a sua capacidade de voo autônomo não ultrapassar os 200 metros, não foi considerado relevante. A liberação em larga escala do OX513A, alterando as condições de reprodução do Aedes Aegypti pode atrair outros vetores, como o A. albopictus, espécie selvagem  existente no Brasil e  com capacidade vetorial  para o vírus da dengue. Pergunta sem resposta feita por um dos conselheiros: nessa situação quais seriam as implicações sobre os mecanismos adaptativos do vírus em termos epidemiológicos? (Linha 254 a 252; 299).
 
5) Incongruências do relatório -  Classificação do risco: Com base na Resolução Normativa 02, de 27 de novembro de 2006, a subcomissão enquadrou o mosquito GM na classe do risco 1 (baixo risco individual e baixo risco para a coletividade), enquanto que a empresa afirma ser a classe de risco 2 (moderado risco individual e baixo risco para a coletividade).  Assim, a CTNBio foi  menos restrita que a própria empresa interessada.
 
Diante do Exposto, a Abrasco vem se manifestar contrária a autorização pela Anvisa e pela SVS/MS de utilização de mosquitos transgênicos para o controle vetorial da dengue. Propomos também que sejam criados fórum de debates públicos sobre o controle da dengue realizado por meio do mosquito transgênico. A Associação também se posiciona para abrir um debate nacional sobre a forma como a CTNBio delibera sobre temas de interesse da saúde pública e ambiental.

Em 15 de setembro de 2014


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