19 de setembro de 2014 - Por Comunicação Abrasco
Associação posiciona-se sobre o uso de mosquitos geneticamente modificados
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Produção
de mosquitos transgênicos da empresa empresa inglesa de biotecnologia
Oxitec, sediada em Campinas - Foto: Reprodução Internet |
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva recebeu com
grande preocupação a cópia da transcrição da 171ª Reunião Ordinária da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – de 03/05/2014 em
que autoriza a liberação comercial de mosquitos transgênicos.
As decisão da CTNBio ocorreu no contexto em que uma fábrica de
produção de mosquitos transgênicos já estava instalada na cidade de
Campinas – SP. Os mosquitos transgênicos serão usados para pesquisa e
combate ao vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti, no país.
A responsável pela produção é empresa inglesa de biotecnologia
Oxitec. A instalação da fábrica de mosquito começou em 2013. A equipe
técnica é formada basicamente por especialistas estrangeiros, que na
Europa desenvolvem biotecnologias adotadas pela indústria farmacêutica
para a malária e febre amarela.
A unidade produtiva (Technopark) da Oxitec, em Campinas produz em laboratório mosquitos machos de Aedes aegypti geneticamente
modificados (linhagem OX513A), mediante a utilização de tetraciclina
usada para a modificação das larvas selvagens.
Mesmo sem ter a autorização da CTNBio para a produção em escala do mosquito transgênico, a empresa disponibilizou o Aedes aegypti
transgênico desde 2011, para experimentos inicialmente na cidade de
Jacobina e posteriormente em Juazeiro, ambas do Estado da Bahia e que
contou com o apoio do governo do estado e das prefeituras dos
respectivos municípios. As pesquisas foram apoiadas por organização
social denominada Moscamed.
Os experimentos foram executados nessas duas cidades, considerados
como projetos específicos e isolados. A proposta é que cada cidade
brasileira poderá montar sua fábrica de ovos transgênicos. Após os
testes nessas duas cidades, a Oxitec protocolou a solicitação de
liberação comercial na CTNBio.
Apesar do uso por dois anos de mosquito transgênico na cidade de
Jacobina, Bahia, o Decreto Nº 089 de 10 de Fevereiro de 2014, pela
prefeitura Municipal de Jacobina (D.O. Terça-feira • 18 de Fevereiro de
2014 • Ano IX • Nº 798) prorrogou a situação de emergência para dengue
no Município. Para fundamentar esse decreto o Prefeito da cidade
considerou: “que Jacobina é endêmico para a dengue e conta em sua série
histórica duas epidemias de dengue registradas nos anos de 2009 e 2012;
que no ano de 2012 o Município não realizou os trabalhos de campo de
forma adequada, registrando 1708 casos suspeitos e inclusive a
ocorrência de dois óbitos; que as ações empreendidas em 2013 com o
trabalho de campo, ainda não encerrou a cadeia epidemiológica, devendo a
municipalidade em ação continuar a manter o controle antes do período
de início de atividade do mosquito
Aedes aegypti; que os casos
de dengue se concentram principalmente no primeiro semestre do ano, com
pico no mês de abril, conforme perfis de sazonalidade do mosquito
Aedes aegypti observadas
no país, e que para encerrar a cadeia epidemiológica é necessário
iniciar as atividades de controle antes desse período de maior atividade
do mosquito; que as ações em 2014 são planejadas e realizadas de modo a
tentar conter uma nova epidemia, buscando proteger a população,
investindo em ações de prevenção, combate”. (
http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Decreto-Jacobina2014.pdf).
Perguntamos, como se aceita fazer experimentos que afetam uma doença
de notificação compulsória em um contexto sanitário absolutamente sem
controle? Como os resultados de experimentos com mosquito transgênico
para controle da dengue em Jacobina foram utilizados para validar a
decisão da CTNBio que autorizou a liberação de mosquito transgênico para
o controle de dengue?
Sabemos que não houve ainda posicionamento e autorização da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa - sobre a produção, venda e
uso desses mosquitos transgênicos. Mas, como fica a situação da
fábrica de mosquitos que está propagandeando esse produto em
Prefeituras Municipais para que comprem milhões de mosquitos
transgênicos a serem liberados semanalmente em seus territórios?
Essas pesquisas com mosquitos transgênicos foram apoiadas pela
Fundação Bill Gates, que abriu edital internacional em 2004, para o qual
concorreram diversas universidades. Sobre esse tema o Gt de Saúde e
Ambiente da Abrasco já alertava em Carta ao Editor da Revista Científica
Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz- sobre “Os
verdadeiros desafios da saúde global” (GOUVEIA; LIEBER; AUGUSTO, 2004).
O controle da endemia e dos surtos epidêmicos de dengue seguem
protocolos da Secretaria de Vigilância em Saúde , do Ministério da Saúde
– SVS/MS – e orientação internacional da Organização Pan-americana de
Saúde – OPAS. A despeito das controvérsias sobre a eficácia dos
sucessivos programas de controle vetorial da dengue no Brasil, até o
momento não houve nenhuma norma técnica desses órgãos orientando
mudanças no programa de controle vetorial da dengue incluindo a
modalidade trangênica. Sobre uma perspectiva crítica do controle
vetorialpara dengue é possível ler outro alerta feito por pesquisadores
na mesma revista (AUGUSTO et al, 1998) e também, entre outros, no livro
de Augusto e Colaboradores (2004), onde diversos entomologistas se
posicionaram. A questão da dengue é complexa e vai para além de medidas
focais. O Brasil, nas últimas duas décadas, deixou de ser um país
epidêmico para dengue, para ser endêmico em todo território nacional.
A doença dengue é uma virose, na qual estão implicados, no Brasil, os
quatro sorotipos do virus. Embora, considerada de baixa letalidade, as
dificuldades no acesso à assistência médica, a baixa resolutividade dos
serviços de saúde, os equívocos de orientação e insuficiências de medidas
sanitárias, faz com que nesse contexto, as complicações da infecção
pelo virus do dengue se tornam mais frequente, mais grave e a
mortalidade da dengue maior no país. A complicação mais preocupante tem
sido a Febre Hemorrágica, mas que não é necessariamente letal, quando há
atendimento médico correto.
Mais uma vez, a decisão de controlar essa endemia, apenas focando no
vetor, é um equívoco. Pois, a determinação da dengue é muito mais social
e ambiental do que biológica, embora estejam envolvidas na sua produção
três ecologias: do virus, do vetor e do ser humano, todas
interdependentes.
Analisando a Ata da 171ª Reunião Ordinária da CTNBio acima referida
foram observados diversos elementos com análise inadequada ou com
questões sem resposta técnica suficiente. Também se observa argumentos
pouco consistentes por parte do representante da saúde nessa comissão,
de quem se esperaria maior compromisso com os aspectos sanitários
envolvidos.
Abaixo apenas alguns destaques para ilustrar como esse assunto, de
tamanha importância para a saúde pública, foi tratado na CTNBio:
1) Dados Insuficientes: Os dados preliminares dos
testes realizados nas cidades de Jacobina e Juazeiro, do estado da
Bahia, “são insuficientes para um posicionamento consistente de
qualquer órgão de pesquisa, muito mais, para a CTNBio” (posicionamento
de um dos conselheiros, Linha 180). Um conselheiro indagou: “Que
motivos justificariam a aceitação precipitada de resultados preliminares
com antecipação da avaliação pela CTNBio” …, “contrariando a prática
até então utilizada recomendada por esta própria Comissão?” (Linha 197).
Os dados preliminares foram colhidos em três municípios do interior do
país. “Foram somente realizados três estudos de caso — liberações em
Caiman, Juazeiro e Mandacaru, Bahia”… “anos de 2012 e 2013”. Esses
municípios possuem sistemas de vigilância epidemiológica incipientes e
com “pouca sensibilidade no registro de casos da doença e da análise
médica de alguma intercorrência da doença durante e depois da liberação
planejada do organismo modificado. Portanto, não é possível aferir uma
alta eficácia dessa biotecnologia, nem muito menos extrapolar esses
resultados para uma escala planetária, como sugere o relatório da
empresa” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 174 e 177).
Destacou-se também outro aspecto: “A ocupação do nicho ecológico
preferencial do Aedes Aegypti nas áreas urbanas não mereceu
suficiente atenção por parte do dossiê ou dos demais pareceristas”
(Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 297).
2) Rapidez no processo: O “tratamento concedido
pela CTNBio a esse caso, se distingue pela excepcionalidade”. Foi
protocolado em três de julho de 2013 e publicado no dia 15 de julho de
2013, recebendo pareceres favoráveis dos relatores nas Subcomissões
Humana e Animal, aprovada em fevereiro de 2014 e nas Subcomissões
Vegetal e Ambiental. Um dos conselheiros considera este fato indício de
prevaricação, pois “ainda na fase de avaliação do processo, na
Subcomissão Humana e Animal, Saúde Humana e Animal, de forma não
protocolada e inesperada, registrou-se a intervenção do representante da
proponente que realizou exposição do mérito da biotecnologia,
confundindo-se com uma espécie de marketing institucional. O
impacto dessa concessão, no que diz respeito à isonomia de tratamento
com as outras biotecnologia e empresas não deve ser desprezado”
(Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 163, 186, 204 e 216).
3) Ausência de dispositivo de biossegurança: A liberação planejada
é um dispositivo de biossegurança imprescindível. A Resolução Normativa
Nº 6, de 6 de novembro de 2008, que dispõe sobre as normas para esse
processo no meio ambiente de Organismos Geneticamente Modificados (OGM),
somente trata de organismos de origem vegetal e seus derivados.
No entanto, essas normas não são adequadas para avaliação de insetos
(posicionamento de um dos conselheiros, Linha 188). Sabe-se que liberação planejada deve ser testada em todos os ecossistemas
relevantes para a avaliação de risco e até o final. Por exemplo, no
caso do Milho D5, a Justiça suspendeu a decisão de sua
produção e comercialização, com base no argumento que não foram
realizados os estudos nos biomas do Norte e Nordeste, proibindo-se o
cultivo naquelas regiões.
4) Falta análise entomológica e epidemiológica: O fato do Aedes aegypti
ter sido considerado erradicado no Brasil na década de 70, e que hoje
se faz presente em todo o território nacional, em que pese a sua
capacidade de voo autônomo não ultrapassar os 200 metros, não foi
considerado relevante. A liberação em larga escala do OX513A, alterando
as condições de reprodução do Aedes Aegypti pode atrair outros vetores, como o A. albopictus,
espécie selvagem existente no Brasil e com capacidade vetorial para o
vírus da dengue. Pergunta sem resposta feita por um dos conselheiros:
nessa situação quais seriam as implicações sobre os mecanismos
adaptativos do vírus em termos epidemiológicos? (Linha 254 a 252; 299).
5) Incongruências do relatório - Classificação do risco: Com
base na Resolução Normativa 02, de 27 de novembro de 2006, a
subcomissão enquadrou o mosquito GM na classe do risco 1 (baixo risco
individual e baixo risco para a coletividade), enquanto que a empresa
afirma ser a classe de risco 2 (moderado risco individual e baixo risco
para a coletividade). Assim, a CTNBio foi menos restrita que a própria
empresa interessada.
Diante do Exposto, a Abrasco vem se manifestar contrária a
autorização pela Anvisa e pela SVS/MS de utilização de mosquitos
transgênicos para o controle vetorial da dengue. Propomos também que
sejam criados fórum de debates públicos sobre o controle da dengue
realizado por meio do mosquito transgênico. A Associação também se
posiciona para abrir um debate nacional sobre a forma como a CTNBio
delibera sobre temas de interesse da saúde pública e ambiental.
Em 15 de setembro de 2014