3 de junho de 2015 às 9:26
Você deve ter lido alguma coisa sobre a suposta dieta que
trazia resultados mais rápidos ao incluir chocolate no cardápio. As
matérias sobre a tal dieta se baseavam em uma pesquisa do Instituto de
Dieta e Saúde (Institute of Diet and Health) e
eram de autoria do médico alemão e diretor do instituto Johannes
Bohannon. Ela foi publicada por revistas científicas e divulgada
mundialmente em sites, revistas e programas de TV. E ela não passou de
uma grande mentira.
Johannes Bohannon e o Instituto de Dieta e Saúde não passam de
invenções do jornalista John Bohannon. Ele criou o site do instituto e
publicou o estudo para expor como é fácil divulgar um estudo científico
duvidoso.
O estudo
O jornalista explica no io9 que a pesquisa foi encomendada
por um canal de televisão alemão. Uma equipe do canal produzia um
documentário sobre a ciência fajuta da indústria da dieta, que
transformam ciência ruim, barata e duvidosa em grandes manchetes em
jornais. E, tirando os resultados, tudo foi feito como uma pesquisa de
verdade: com médicos, um profissional de estatística e objetos de
pesquisa — pessoas dispostas a participar da dieta.
Os sujeitos participantes da pesquisa — 5 homens e 11 mulheres, de 19
a 67 anos — receberam 150 euros cada e foram informados que o estudo
fazia parte de um documentário sobre dietas e nada mais.
A escolha do chocolate amargo veio do médico responsável pelos exames
clínicos da pesquisa. Gunther Frank, clínico geral e autor de um livro
contra a pseudociência por trás de dietas, explica: “Chocolate amargo
tem gosto ruim, e por isso as pessoas acham que ele faz bem”, diz. “É
como uma religião”.
Depois de uma bateria de exames, o clínico separou os participantes
em três grupos distintos: o primeiro em uma dieta de baixa caloria, o
segundo na mesma dieta de baixa caloria mais a inclusão de 40 g de
chocolate por dia e o terceiro grupo continuou com os mesmos hábitos
alimentares que já mantinham. Cada indivíduo se pesou diariamente por 21
dias consecutivos e foi submetido a um questionário e mais uma bateria
de exames ao final do experimento.
E o resultado? O terceiro grupo manteve ou teve mudanças
insignificantes no peso, enquanto cada indivíduo do segundo e do
primeiro grupo emagreceram cerca de 2.5 kg, com o segundo grupo, o que
incluía chocolate na dieta, perdendo peso 10% mais rápido e com melhores
resultados nos exames de colesterol que o primeiro.
O resultado
Então o estudo funciona? Bem, sim e não. O estudo mostrou uma
aceleração na perda de peso do grupo que comeu chocolate, no entanto, o
número de indivíduos testados é muito pequeno para se chegar a qualquer
conclusão — os testes foram feitos com apenas 15 pessoas. Mas os
responsáveis pelo estudo sabiam disso. Bohannon explica no post:
“Se você medir um grande número de coisas em um número pequeno de pessoas, você quase certamente terá um resultado ‘estatisticamente significativo'”
E adivinha? O estudo conta com dezoito medidas diferentes
— peso, colesterol, sódio, níveis de proteína do sangue, qualidade do
sono, bem-estar e outros — e apenas 15 pessoas para teste. Eles estavam
fadados a receber pelo menos um resultado bom. “Não sabíamos com o que
terminaríamos — as manchetes poderiam ser que chocolate melhora o sono
ou diminui a pressão arterial — mas sabíamos que nossas chances de ter
pelo menos um resultado ‘estatisticamente significativo’ eram boas”, diz
o jornalista.
Além disso, Bohannon explica que os hábitos alimentares do terceiro
grupo, que não recebeu nenhuma dieta, sequer foi questionado; e alguns
fatores, como o ciclo menstrual, que pode oscilar o peso de mulheres em
quantidades próximas ao que a dieta prometia eliminar, também não foi
levado em consideração.
Publicando e divulgando
Com os resultados em mãos, Bohannon submeteu a pesquisa para
publicação em revistas científicas e dentro de 24 horas diversas
publicações mostraram interesse em divulgá-la — a equipe acabou
escolhendo a International Archives of Medicine, que, apesar de afirmar revisar cada pesquisa rigorosamente, publicaria o estudo por 600 euros.
Uma vez publicada, era a hora de divulgar a história: um release à
imprensa bem explicado, que frisava os pontos fortes da pesquisa – como o
chocolate ser um instrumento para perder peso – e omitia possíveis
questionamentos, como o pequeno número de participantes da pesquisa. O
release era praticamente uma matéria pronta para os jornalistas a
publicarem, como diz o próprio Bohannon — e ela serviu perfeitamente
para chamar a atenção de revistas e sites dos mais diversos lugares.
Dezenas de mídias de todo o mundo publicaram a história: Irish Examiner, o site alemão da Cosmopolitan, Times of India, o site alemão e indiano do Huffington Post, um telejornal do Texas e um programa matinal da Austrália divulgaram o estudo.
No Brasil, caíram na pegadinha o portal Vírgula, a TV Cultura e o site F5, da Folha de S. Paulo. (Só o F5 corrigiu o texto.)
Comer chocolate todo dia pode ajudar a emagrecer, diz estudo http://t.co/jVTrrXTGnk pic.twitter.com/Dn53pXaQbZ— Folha de S.Paulo (@folha) April 7, 2015
http://t.co/hq88J8gwDl – A notícia do seu dia: estudo diz que comer chocolate diariamente pode ajudar a emagrecer pic.twitter.com/1f0lJr3nA9— Portal Virgula (@portalvirgula) April 8, 2015
E nas poucas vezes em que foi contatado por jornalistas, Bohannon diz
que ninguém perguntou sobre o número de participantes da pesquisa, e
nenhuma matéria parecia consultar a pesquisa em si – algo necessário
para averiguar se as descobertas eram mesmo reais.
A lição
Bohannon usou o estudo em dietas para alertar como é fácil publicar e
divulgar um estudo dúbio, e como a editoria científica de revistas e
jornais tem sido tratada como fofoca pela mídia. Ele espera que o
experimento faça de repórteres e leitores mais céticos:
Se um estudo não lista quantas pessoas fizeram parte dele, ou afirma que os resultados são “estatisticamente significativos”, você deve perguntar o porquê. Quando falhamos [em questionar], o mundo é inundado por ciência fajuta.
O documentário sobre a pesquisa estreia este mês. Confira o trailer abaixo:
[io9]
Foto de capa: Lee McCoy/Flickr