09/01/2014
Plano estratégico para conservação
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Por Karina Toledo
De acordo com alerta feito por pesquisadores brasileiros na revista Science, restam no bioma 250 animais adultos distribuídos em oito populações isoladas e apenas 50 estão de fato se reproduzindo. (foto: Sandra Cavalcanti/Instituto Pró-Carnívoros) |
Agência FAPESP – A Mata Atlântica está na iminência de perder um de seus mais ilustres habitantes: a onça-pintada (Panthera onca). O alerta foi feito na revista Science,
em carta publicada por um grupo de pesquisadores brasileiros membros do
Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota).
“Uma recente reunião de especialistas em vida selvagem concluiu que a
Mata Atlântica, que no passado se estendia por toda a costa brasileira e
também por parte da Argentina e do Paraguai, pode em breve ser o
primeiro bioma tropical a perder seu principal predador, a
onça-pintada”, relataram os cientistas na carta.
“Pesquisadores estimaram menos de 250 animais adultos vivos em todo o
território, distribuídos em oito populações isoladas. Ainda pior,
análises moleculares demonstraram que o tamanho da população efetiva
local (número de animais que estão de fato se reproduzindo e deixando
descendente, um parâmetro crítico para a manutenção da diversidade
genética) está abaixo de 50 animais”, destacaram.
De acordo com Ronaldo Gonçalves Morato,
coautor do texto e chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação
de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), entre as causas do declínio estão a perda
de habitat resultante do desmatamento e da fragmentação da mata e também
a caça. Estima-se que, atualmente, reste apenas entre 7% e 12% da
cobertura original da Mata Atlântica.
O impacto do desaparecimento da onça-pintada para o ecossistema local
é difícil de prever, mas certamente o saldo será negativo. “Quando um
grande predador desaparece, pode haver explosão nas populações de
herbívoros, como veados, catetos e queixadas. Em excesso, esses animais
acabam consumindo todo o sub-bosque da floresta e isso implica em perda
da capacidade de recomposição e perda de estoque de carbono. Em longo
prazo, pode levar à quebra da dinâmica da floresta”, avaliou Morato.
Pedro Manoel Galetti Junior, professor do Departamento de Genética e
Evolução (DGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coautor
do texto, lembrou que o desaparecimento da onça-pintada pode ainda
causar aumento desmedido nas populações de predadores intermediários,
como jaguatiricas e outros carnívoros.
Por sua vez, isso poderá levar a um aumento na predação de ninhos e,
potencialmente, à extinção local de muitas aves, importantes dispersoras
de sementes, e alterar a estrutura da vegetação. “O predador de topo de
cadeia tem um papel de regulação do ecossistema e, quando ele
desaparece, um distúrbio é criado. Isso pode causar a extinção de
algumas espécies, até que o ecossistema encontre um novo equilíbrio”,
disse Galetti, que coordena pesquisa apoiada
pela FAPESP e realizada no âmbito do Sisbiota – programa lançado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em
2010 que reúne pesquisadores de diversos Estados e, em São Paulo, conta
com financiamento da FAPESP.
Plano estratégico para conservação
A iniciativa de enviar o alerta para a revista Science,
contaram os cientistas, surgiu após uma reunião promovida em setembro
de 2013 pelo Cenap com o objetivo de elaborar um plano estratégico para a
conservação da onça-pintada na Mata Atlântica.
“Na semana anterior ao evento, havia sido publicado também na Science
um artigo sobre a recuperação da população de carnívoros no Hemisfério
Norte graças a medidas adotadas há mais de 20 anos, como
reflorestamento, reintrodução e translocação de indivíduos. Alguns
fatores de manejo utilizados por lá permitiram que algumas espécies
praticamente extintas voltassem a ocupar certos espaços. Nossa carta
tinha o intuito de fazer um contraponto a esse artigo”, contou Morato.
O evento promovido pelo Cenap reuniu diversos membros da rede
Sisbiota. O objetivo do grupo é fomentar e ampliar o conhecimento não
apenas sobre predadores, mas sobre toda a biodiversidade brasileira, bem
como melhorar a capacidade preditiva de respostas às mudanças de uso e
cobertura da terra e às mudanças climáticas.
De acordo com os especialistas, a medida mais urgente a ser tomada
para salvar a onça-pintada seria o aumento da fiscalização para evitar a
perda de indivíduos tanto pela caça quanto pela redução do ambiente
causada pelo desmatamento ilegal.
“Primeiro precisamos estancar a perda para então pensar em trabalhar
para recuperar as populações. Estamos discutindo a possibilidade de
fazer a translocação de indivíduos (colocar novos animais em uma população existente para trazer informação genética nova para o grupo),
pois as análises têm mostrados que geneticamente muitas dessas
populações remanescentes estão comprometidas. Mesmo se a perda de
animais cessar, será necessário recompor essas populações”, afirmou
Morato.
Outra possibilidade, contou o pesquisador do Cenap, é recorrer a
ferramentas de reprodução assistida. “Podemos coletar sêmen de um
indivíduo de uma região e inseminar uma fêmea de outra população, por
exemplo. Esse mecanismo pode ser mais prático do que fazer a
translocação”, contou Morato.
De acordo com o plano em elaboração pelo Sisbiota, nenhum animal
seria solto sem um sistema de monitoramento 24 horas e sem um programa
prévio de educação e conscientização com as comunidades do entorno. “É
necessário um trabalho forte para que essas comunidades aceitem o
retorno do animal. É preciso orientação para que não haja risco no
contato com a população humana e para que haja um manejo de rebanhos de
modo a evitar a caça por perda econômica”, afirmou Morato.
Para Galetti, antes que qualquer medida seja tomada, é preciso
ampliar o conhecimento científico sobre a onça-pintada – o que inclui
informações sobre a biologia, a ecologia, a genética e os sistemas em
que ela está incluída, ou seja, os demais organismos que interagem com
ela. “Não se pode pensar em translocar animais enquanto não se tem
segurança e controle sobre os impactos da medida”, ponderou.
Muitos dos estudos que embasam a discussão do plano de recuperação da
onça-pintada foram conduzidos no âmbito do Sisbiota, que completa três
anos. Parte dos dados foi apresentada nos dias 9 e 10 de dezembro, em
São Carlos, durante o 1º Simpósio Brasileiro sobre o Papel Funcional de Predadores de Topo de Cadeia.
O artigo Atlantic Rainforest's Jaguars in Decline (DOI: 10.1126/science.342.6161.930-a), de Ronaldo Morato, Pedro Galetti e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/content/342/6161/930.1.full?sid=b8928fb9-3760-4f2e-9188-23bc28d2dc2f.
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