04/12/2013 07h10
- Atualizado em
04/12/2013 07h10
Curso em Porto Alegre ensina práticas de manejo de morcegos urbanos.
Cercados por mitos, mamíferos não costumam ser tolerados nas cidades.
Bióloga Susi Pacheco exibe morcego com anomalia genética (Foto: Aline Brasil/Arquivo Pessoal) |
Poucos animais são tão estigmatizados quanto os morcegos. Associados a
doenças e cercados por mitos e preconceitos, esses mamíferos capazes de
voar costumam despertar nas pessoas os mais variados sentimentos
negativos, sobretudo nos ambientes urbanos. Estudos recentes, no
entanto, mostram que a presença desses bichos nas grandes cidades tende a
crescer cada vez mais e o melhor a fazer é aprender como conviver com
eles.
É isso que trará a Porto Alegre
na próxima semana mais de 50 técnicos da área de saúde do Rio Grande do
Sul e de outros estados. De 9 a 13 de dezembro, a capital gaúcha vai
sediar o curso de Capacitação para Ações de Vigilância e Identificação
de Morcegos em Área Urbana, oferecido pelo Ministério da Saúde e
organizado pelo Instituto Sauver, uma ONG gaúcha que desenvolve projetos
em várias áreas sobre quirópteros.
No curso, os participantes terão aulas teóricas e práticas sobre
bioecologia, conservação, saúde, monitoramento e manejo adequado de
morcegos. Entre outras coisas, aprenderão que, embora esses animas
possam transmitir doenças como a raiva, eles também têm importância
econômica e ecológica. Portanto, matá-los não é a melhor solução.
Colônia de morcegos encontrada em construção de Porto Alegre (Foto: Susi Pacheco/Arquivo Pessoal) |
“Morcegos são considerados animais feios, nojentos, um saco de doenças.
Para as pessoas em geral, morcego bom é morcego morto. Mas eles são
fundamentais para que as cidades sejam sustentáveis e saudáveis”,
defende a bióloga Susi Pacheco, doutora em zoologia e especialista em
morcegos.
Segundo uma pesquisa publicada em 2010 por especialistas brasileiros
nesses mamíferos voadores, pelo menos 47 espécies das 167 conhecidas no
Brasil até então podiam ser encontradas em áreas urbanas do país. Forros
de edificações, dutos de ventilação e tubulação de chaminés são alguns
dos locais que servem de abrigo para os morcegos nas cidades.
Nesses ambientes, os bichos encontram condições de temperatura, umidade
e luminosidade semelhantes a de cavernas, frestas em rochas ou copas de
árvores, seu habitat natural. A degradação sistemática desses ambientes
e a expansão desenfreada das cidades, aliás, foram o que levaram os
morcegos para junto dos humanos, dizem os pesquisadores. Postes de
iluminação, por exemplo, concentram um grande número de insetos e são
atrativos para os morcegos que se alimentam deles.
De acordo com Susi Pacheco, as pessoas não precisam ter medo ao
encontrar um morcego, mas não é recomendável tentar manuseá-los,
principalmente com a pele desprotegida. Também não é aconselhável usar
veneno para espantar os animais, pois corre-se o risco de intoxicar
humanos e outros animais. O ideal é pedir auxílio de especialistas nos
centro de vigilância em saúde ou em secretarias e patrulhas ambientais.
“Quando há problemas com grandes colônias de morcegos, com muitos
indivíduos, é necessário que pessoas que conhecem as espécies auxiliem.
Porque cada espécie tem comportamento distinto e formas diferentes de
deslocamento. Além disso, as espécies tendem a ser fiéis aos locais em
que procuram abrigo”, diz a biológa.
Tadarida brasiliensis é uma das espécies mais comuns de morcego encontrada em Porto Alegre (Foto: Rejane Dominguez/Arquivo Pessoal) |
Morcegos no Rio Grande do Sul
Do total de espécies de morcegos catalogadas no país, 40 ocorrem no Rio Grande do Sul, de acordo com o Instituto Sauver. Não há espécies endêmicas, isto é, que existem apenas no estado, mas algumas como a Anoura geoffroy e a Carollia perspicillata são típicas do bioma Pampa e estão distribuídas em campos do estado, da Argentina e do Uruguai.
Do total de espécies de morcegos catalogadas no país, 40 ocorrem no Rio Grande do Sul, de acordo com o Instituto Sauver. Não há espécies endêmicas, isto é, que existem apenas no estado, mas algumas como a Anoura geoffroy e a Carollia perspicillata são típicas do bioma Pampa e estão distribuídas em campos do estado, da Argentina e do Uruguai.
Ao contrário da crença popular, apenas três das mais de 1,1 mil
espécies catalogadas em todo o mundo são hematófagas, ou seja, se
alimentam de sangue. Um dos chamados “morcegos-vampiros”, o Desmodus rotundus,
é o único deles que ocorre no estado, com ampla distribuição em todos
os municípios. Mas ninguém precisa ficar preocupado a ponto de proteger
mais o pescoço, garante Susi.
“No Rio Grande do Sul não há casos de ataque deste morcego a humanos. E
os casos de raiva herbívora e urbana são bem controlados e estão dentro
dos padrões exigidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”, explica a
pesquisadora.
Os morcegos podem ser classificados de acordo com sua alimentação. Do
total de espécies conhecidas no Rio Grande do Sul, além da hematófaga,
11 são nectarívoras-polinívoras (se alimentam do néctar e do pólen das
plantas) ou frugívoras (frutos), uma é piscívora-insetívora (pequenos
peixes e insetos) e 27 são exclusivamente insetívoras (comem apenas
insetos, como mosquitos, aranhas, lacraias, escorpiões, entre outros).
Para os pesquisadores, o controle na população de insetos pode ser a
maior contribuição dos morcegos para os ecossistemas, além de um
possível benefício econômico nas plantações do estado. As espécies
insetívoras são responsáveis por se alimentarem de lagartas que atacam
culturas como o milho, a soja e o tabaco, além de mariposas, besouros e
outras pragas agrícolas. Nas áreas urbanas, eles alimentam-se de
mosquitos (inclusive da dengue), cupins, baratas, traças e aranhas.
Em Porto Alegre, há quatro espécies mais comuns: Tadarida brasiliensis, Molossus molossus, Molossus rufus (insetívoras) e Artibeus lituratus
(frugívora). Essa última espécie, diz Susi, costuma assustar as pessoas
por causa de seus voos rasantes e em bandos, que causam a sensação de
uma perseguição antes do ataque.
Em 2010, a equipe do Programa de Monitoramento de Quirópteros do Rio
Grande do Sul – formada por Susi Pacheco e as também biólogas Aline
Brasil e Soraya Ribeiro, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam)
– descobriu na capital gaúcha um colônia de morcegos com cerca de 6 mil
indivíduos da espécie Tadarida brasiliensis, alguns deles com leucismo, uma anomalia genética semelhante ao albinismo, mas com outras características.
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