Revista científica que, em 2012, publicou artigo mostrando que 70% dos ratos alimentados com milho transgênico da Monsanto haviam desenvolvido câncer se retrata após contratar ex-funcionário da Monsanto como editor especial |
06/01/2014
Por Silvia RibeiroPublicado originalmente em espanhol no La Jornada
Tradução da Adital
Em
2012, uma equipe científica liderada por Gilles-Éric Séralini publicou
um artigo mostrando que ratos de laboratório alimentadas com milho
transgênico da Monsanto durante toda a sua vida desenvolveram câncer em
60-70% (contra 20-30% em um grupo de controle), além de problemas
hepático-renais e morte prematura.
Agora, a revista que publicou o
artigo se retratou, em outra amostra vergonhosa de corrupção nos
âmbitos científi cos, já que as razões apresentadas não são aplicadas a
estudos similares da Monsanto. O editor admite que o artigo de Séralini é
sério e não apresenta incorreções; porém, os resultados não são
conclusivos, algo característico de uma grande quantidade de artigos e é
parte do processo de discussão científica. A retratação aconteceu após a
revista ter contratado Richard Goodman, exfuncionário da Monsanto, como
editor especial. É o corolário de uma agressiva campanha de ataque
contra o trabalho de Séralini, orquestrado pelas transnacionais. O caso
recorda a perseguição sofrida por Ignacio Chapela, quando publicou na
revista Nature que havia contaminação transgênica no milho camponês de Oaxaca.
Em
outro contexto, Randy Schekman, premiado com o Nobel de Medicina 2013,
ao receber o prêmio pediu o boicote às publicações científicas, “como
Nature, Science e Cell” (e poderia ter incluído a que agora retratou
Séralini) pelo dano que estão causando à ciência, ao estarem mais
interessadas em impactos midiáticos e lucros do que na qualidade dos
artigos.
Schekman assegurou que nunca mais publicará nessa
revista e conclamou cientistas a publicarem em revistas de acesso
aberto, com processos transparentes. Soma-se a outras denúncias sobre a
relação incestuosa das indústrias com esse tipo de revista, para
conseguir a autorização de produtos através da publicação de artigos
científi cos.
Tortilhas
O estudo de
Séralini é muito relevante para o México porque os ratos foram
alimentados com milho 603 da Monsanto, o mesmo que as transnacionais
solicitam plantar em mais de 1 milhão de hectares, no norte do país.
Caso seja aprovado, esse milho entraria massivamente na alimentação
diária das grandes cidades do país por meio das ‘tortillerías’ (que
fabricam tortilhas feitas de milho).
Como o México é o país onde o
consumo humano direto de milho é o mais alto do mundo e durante toda a
vida, o país se converteria em uma repetição do experimento de Séralini,
com gente em vez de ratos, com altas probabilidadesde desenvolver
câncer em alguns anos, em um lapso de tempo sufi ciente para que o
governo tenha mudado e as empresas neguem sua responsabilidade, alegando
que foi há muito tempo e não se pode demonstrar o milho transgênico
como causa direta.
O artigo de Séralini foi publicado na revista Food and Chemical Toxicology após
uma revisão de meses por outros cientistas. Poucas horas após sua
publicação e de forma totalmente anticientífica (já que não podiam
avaliar os dados com seriedade nesse tempo), cientistas próximos à
indústria biotecnológica começaram a repetir críticas parciais e
inexatas, curiosamente iguais, já que provinham de um tal Centro de
Meios de Ciência, financiado pela Monsanto, pela Syngente, pela Bayer e
por outras transnacionais.
Dois pesos
Para
retratar o artigo, agora se alega que o número de ratos do grupo de
controle foi muito baixo e que os ratos Sprague- Dawley usados na
experimentação têm tendência a tumores. Omitem dizer que a Monsanto usou
exatamente o mesmo tipo e a mesma quantidade de ratos de controle em
uma experimentação publicada em sua revista, em 2004; porém, somente por
90 dias, reportando que não havia problemas, conseguindo a aprovação do
milho Monsanto 603. Séralini prolongou a mesma experimentação e o
ampliou, durante toda a vida dos ratos e os problemas começaram a
aparecer a partir do quarto mês. Fica claro que a revista aplica duplo
padrão: um para a Monsanto e outro para os que mostram resultados
críticos.
A equipe de Séralini explicou que o número de ratos
usados é padrão em OCDE em experimentos de toxicologia; porém, para os
estudos de câncer são utilizados mais. Porém, seu estudo não buscava
câncer, mas possíveis efeitos tóxicos, o que fi cou amplamente provado. O
maior número de ratos em estudos de câncer é para descartar falsos
negativos (que haja câncer e não se veja); porém, nesse caso, a presença
de tumores foi tão grande que, inclusive, para essa avaliação seria
suficiente. Desde o início, sua equipe também assinalou que mais estudos
específicos de câncer devem ser feitos. Em âmbito global, há vários
comunicados assinados por centenas de cientistas defendendo o estudo de
Séralini; porém, no México, a Cibiogem (Comissão de Biossegurança),
fazendo jus à sua falta de objetividade e compromisso com a saúde da
população, publica somente o lado da controvérsia que favorece às
transnacionais, ignorando as respostas de inúmeros cientistas
independentes.
Isso é mais preocupante já que o governo afirma
que a liberação do milho transgênico no México será decidido por
critérios científicos. No entanto, consulta somente cientistas como
Francisco Bolívar Zapata, Luis Herrera Estrella, Peter Raven e outros
que têm confl itos de interesse devido à sua relação com a indústria
biotecnológica.
O tema do milho no México excede os aspectos
científicos; porém, qualquer consulta deve ser aberta e com cientistas
que não tenham conflitos de interesse.
Por exemplo, levar em
consideração os documentos da Unión de Científicós Comprometidos con la
Sociedad, apoiados por mais de 3 mil cientistas em âmbito mundial.
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