segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Milho, censura e corrupção na ciência

Revista científica que, em 2012, publicou artigo mostrando
que 70% dos ratos alimentados com milho transgênico da
Monsanto haviam desenvolvido câncer se retrata após contratar
ex-funcionário da Monsanto como editor especial


06/01/2014
 
Por Silvia Ribeiro

Publicado originalmente em espanhol no La Jornada
Tradução da Adital

Em 2012, uma equipe científica liderada por Gilles-Éric Séralini publicou um artigo mostrando que ratos de laboratório alimentadas com milho transgênico da Monsanto durante toda a sua vida desenvolveram câncer em 60-70% (contra 20-30% em um grupo de controle), além de problemas hepático-renais e morte prematura.
 
Agora, a revista que publicou o artigo se retratou, em outra amostra vergonhosa de corrupção nos âmbitos científi cos, já que as razões apresentadas não são aplicadas a estudos similares da Monsanto. O editor admite que o artigo de Séralini é sério e não apresenta incorreções; porém, os resultados não são conclusivos, algo característico de uma grande quantidade de artigos e é parte do processo de discussão científica. A retratação aconteceu após a revista ter contratado Richard Goodman, exfuncionário da Monsanto, como editor especial. É o corolário de uma agressiva campanha de ataque contra o trabalho de Séralini, orquestrado pelas transnacionais. O caso recorda a perseguição sofrida por Ignacio Chapela, quando publicou na revista Nature que havia contaminação transgênica no milho camponês de Oaxaca.
 
Em outro contexto, Randy Schekman, premiado com o Nobel de Medicina 2013, ao receber o prêmio pediu o boicote às publicações científicas, “como Nature, Science e Cell” (e poderia ter incluído a que agora retratou Séralini) pelo dano que estão causando à ciência, ao estarem mais interessadas em impactos midiáticos e lucros do que na qualidade dos artigos.
 
Schekman assegurou que nunca mais publicará nessa revista e conclamou cientistas a publicarem em revistas de acesso aberto, com processos transparentes. Soma-se a outras denúncias sobre a relação incestuosa das indústrias com esse tipo de revista, para conseguir a autorização de produtos através da publicação de artigos científi cos.
 
Tortilhas
O estudo de Séralini é muito relevante para o México porque os ratos foram alimentados com milho 603 da Monsanto, o mesmo que as transnacionais solicitam plantar em mais de 1 milhão de hectares, no norte do país. Caso seja aprovado, esse milho entraria massivamente na alimentação diária das grandes cidades do país por meio das ‘tortillerías’ (que fabricam tortilhas feitas de milho).
 
Como o México é o país onde o consumo humano direto de milho é o mais alto do mundo e durante toda a vida, o país se converteria em uma repetição do experimento de Séralini, com gente em vez de ratos, com altas probabilidadesde desenvolver câncer em alguns anos, em um lapso de tempo sufi ciente para que o governo tenha mudado e as empresas neguem sua responsabilidade, alegando que foi há muito tempo e não se pode demonstrar o milho transgênico como causa direta.
 
O artigo de Séralini foi publicado na revista Food and Chemical Toxicology após uma revisão de meses por outros cientistas. Poucas horas após sua publicação e de forma totalmente anticientífica (já que não podiam avaliar os dados com seriedade nesse tempo), cientistas próximos à indústria biotecnológica começaram a repetir críticas parciais e inexatas, curiosamente iguais, já que provinham de um tal Centro de Meios de Ciência, financiado pela Monsanto, pela Syngente, pela Bayer e por outras transnacionais.
 
Dois pesos
Para retratar o artigo, agora se alega que o número de ratos do grupo de controle foi muito baixo e que os ratos Sprague- Dawley usados na experimentação têm tendência a tumores. Omitem dizer que a Monsanto usou exatamente o mesmo tipo e a mesma quantidade de ratos de controle em uma experimentação publicada em sua revista, em 2004; porém, somente por 90 dias, reportando que não havia problemas, conseguindo a aprovação do milho Monsanto 603. Séralini prolongou a mesma experimentação e o ampliou, durante toda a vida dos ratos e os problemas começaram a aparecer a partir do quarto mês. Fica claro que a revista aplica duplo padrão: um para a Monsanto e outro para os que mostram resultados críticos.
 
A equipe de Séralini explicou que o número de ratos usados é padrão em OCDE em experimentos de toxicologia; porém, para os estudos de câncer são utilizados mais. Porém, seu estudo não buscava câncer, mas possíveis efeitos tóxicos, o que fi cou amplamente provado. O maior número de ratos em estudos de câncer é para descartar falsos negativos (que haja câncer e não se veja); porém, nesse caso, a presença de tumores foi tão grande que, inclusive, para essa avaliação seria suficiente. Desde o início, sua equipe também assinalou que mais estudos específicos de câncer devem ser feitos. Em âmbito global, há vários comunicados assinados por centenas de cientistas defendendo o estudo de Séralini; porém, no México, a Cibiogem (Comissão de Biossegurança), fazendo jus à sua falta de objetividade e compromisso com a saúde da população, publica somente o lado da controvérsia que favorece às transnacionais, ignorando as respostas de inúmeros cientistas independentes.
 
Isso é mais preocupante já que o governo afirma que a liberação do milho transgênico no México será decidido por critérios científicos. No entanto, consulta somente cientistas como Francisco Bolívar Zapata, Luis Herrera Estrella, Peter Raven e outros que têm confl itos de interesse devido à sua relação com a indústria biotecnológica.

O tema do milho no México excede os aspectos científicos; porém, qualquer consulta deve ser aberta e com cientistas que não tenham conflitos de interesse.

Por exemplo, levar em consideração os documentos da Unión de Científicós Comprometidos con la Sociedad, apoiados por mais de 3 mil cientistas em âmbito mundial.

Foto: Reprodução

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